Folha de S. Paulo


Cérebro explica por que adolescentes são chatos, diz livro; veja outros fatos

A Argentina é terra de tango, churrasco e neurocientistas que escrevem sobre memória. Facundo Manes é um deles. Ele vendeu mais de 100 mil cópias do seu livro "Usar o Cérebro" no seu país, agora lançado no Brasil pela Planeta. Outro é Iván Izquierdo, que mora em Porto Alegre há décadas e é autor de "A Arte de Esquecer" (2004, Vieira e Lent).

Ambos citam "Funes, o memorioso", personagem de Jorge Luis Borges que não esquecia nada –e sofria. "Minha memória é um depósito de lixo." Sem esquecimento, não há sanidade.

A angústia é que queremos controlar o processo. Para aprender, é preciso repetição (muita), como sabem os bons estudantes. Esquecer é a regra. Pense: instigados a contar toda nossa infância, não conseguiríamos falar mais que algumas horas.

Veja fatos sobre a memória reunidos por Manes.

*

Fernando Mola/Folhapress

A INTERNET ESTÁ ESTRAGANDO A NOSSA MEMÓRIA?

Não há nenhuma evidência, embora muita gente tenha escrito sobre isso –um livro famoso é "A Geração Superficial", de Nicholas Carr, e até Mário Vargas Llosa já escreveu que a tecnologia "suborna e seduz nossos órgãos pensantes, que vão se tornando gradativamente dependentes das ferramentas e, por fim, seus escravos".

Para rebater, Manes cita Platão. No clássico Fedro, um dos personagens critica a escrita: "Só causará esquecimento, pois fará [as pessoas] descuidarem da memória; fiando-se nesse estranho auxilio [os livros]". No limite, o argumento pode ser utilizado para qualquer coisa que não seja uma vida tribal "pura".

Editoria de Arte/Folhapress

O QUE É O AMOR ROMÂNTICO (EM TERMOS NEURAIS)?

É uma forma de ativação do sistema de recompensa do cérebro, que causa motivação e prazer, e desativação do córtex frontal, essencial para o julgamento. Ou seja, o amor é gostoso, mas prejudicial ao bom senso.

Por que o cérebro permite tal gambiarra neuroquímica? Sob a ótica evolutiva, para promover a reprodução: fique feliz e procrie sem pensar muito se esse mané merece mesmo estar ao seu lado, porque se você refletir demais pode acabar mudando de ideia.

O amor é rápido: o cérebro muda em menos de 1/5 de segundo após a pessoa amada ser vista.

Editoria de Arte/Folhapress

POR QUE GOSTAMOS DE MÚSICA?

Não há uma explicação fácil para que a música tenha surgido em toda sociedade humana. Parece que há algo no nosso cérebro que nos faz gostar de ritmo, de notas, de cantar.

De fato, ouvir música, especialmente as que já conhecemos e gostamos, libera no nosso cérebro dopamina, como também fazem o sexo e as drogas –ou seja, em vez de dizer "sexo, drogas e rock and roll!", os transgressores poderiam economizar e bradar apenas "dopamina!!".

A explicação evolutiva para isso é só hipotética. Talvez a música promovesse coesão social –todo mundo lá, cantando junto.

Fernando Mola/Editoria de Arte

POR QUE ADOLESCENTES SÃO CHATOS?

Não é culpa deles: seus cérebros são diferentes. Vários circuitos estão incompletos.

O lobo frontal ainda não está maduro. Ele é responsável por inibir respostas socialmente inapropriadas, pela nossa capacidade de se colocar no lugar do outro, de fazer planejamentos complexos, da interação em sociedade.

Mesmo a capacidade de lidar com os estímulos do ambiente é mais limitada. Também o cíngulo anterior, área ligada à capacidade de manter a atenção, está em desenvolvimento na adolescência.

Dessa forma, adolescentes que falam impropriedades, dramáticos, instáveis, ingratos com os pais, que apresentam certa inaptidão para o convívio com humanos e que são desengonçados e avoados tendem, uma hora, a melhorar (um pouco). Tente ignorá-los –e, por favor, evite passar-lhes as chaves do carro.

Fernando Mola/Folhapress

HÁ ALGO QUE SE POSSA FAZER PARA EVITAR A PERDA COGNITIVA?

Nada é garantido, mas é bem estabelecido que gente intelectualmente ativa –é possível medir isso pela sofisticação linguística da pessoa, por exemplo– sofre menos com a demência.

Tais benefícios de um cérebro ativo, porém, acabam se a pessoa "se aposenta intelectualmente", ou seja, se para de ler, escrever, refletir, solucionar problemas, de estimular o cérebro em geral. É preciso, portanto, "continuar pedalando", na medida do possível, até a morte.

São úteis também o exercício físico, a boa alimentação, a vida social ativa, o sono regulado e o estresse reduzido.

Manes lembra ainda de um cuidado mais simples: bater a cabeça é algo perigoso. "No trânsito, seja cuidadoso."

Fernando Mola/Folhapress

MEDITAR SERVE PARA ALGUMA COISA?

A ciência tem descoberto que sim. A atividade proporciona relaxamento, ao diminuir a frequência cardíaca e da respiração, e estimula áreas associadas às emoções e à interação social, como o córtex pré-frontal. Há estudos ligando a meditação até à melhora da função imunológica.

Muitos desses benefícios estão associados também a um bom período de sono contínuo. Não só em humanos: todos os animais dormem, embora nem todos da mesma maneira como nós –acredita-se que golfinhos e baleias durmam usando um hemisfério do cérebro de cada vez, caso contrário se afogariam.

Fernando Mola/Editoria de Arte

A MEMÓRIA É CONFIÁVEL?

Não. Manes cita a crítica de que os dados encontrados na internet podem não ser os mais confiáveis em matéria de exatidão. "E quem pode dizer que nossa memória não é assim?"

Os estudos têm mostrado que, cada vez que recordamos algo, menos precisa se torna a lembrança. É como se a memória estivesse lá, quietinha. Ao ser acessada, fica instável e novos registros podem ser feitos nela. Com frequência, alteramos inconscientemente as narrativas para as que mais nos agradam.

Em outras palavras, a ciência está provando que procede a ideia de que uma mentira muitas vezes repetida se torna verdade.

Fernando Mola/Folhapress

CÉREBROS DE HOMENS E MULHERES SÃO IGUAIS?

Não, e isso começa já entre a 18ª e a 26ª semana de gestação. "Esse período de mudanças devido aos hormônios é tão crítico que experiências pós-natais não conseguem mudar, estruturalmente, um cérebro masculino em feminino nem vice-versa", diz Manes.

Ele cita o maior interesse dos homens, mesmo primatas machos, por objetos que correm e podem ser lançados e por lutas. Já mulheres tendem a ser mais afetuosas –observou-se em bebês de apenas um dia que meninas tendem a passar mais tempo olhando fotos de rostos; meninos preferem objetos mecânicos.

"Em tempos remotos, os homens caçavam e as mulheres reuniam alimentos e cuidavam das crianças. O cérebro pode ser sido modulado [nesse contexto]", diz Manes.


Endereço da página: