Folha de S. Paulo


Estudos de evolução humana na USP correm "risco de extinção"

O acervo do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP é hoje um dos mais importantes do mundo para quem deseja estudar a chegada do homem à América.

Enquanto EUA e Canadá possuem apenas meia dúzia de esqueletos humanos com mais de 8.000 anos de idade, a equipe brasileira reuniu 32 espécimes na última década com seu trabalho na região de Lagoa Santa (MG).

O coordenador do grupo, porém, diz temer que seu trabalho deixe de ter continuidade nos próximos anos.

Editoria de Arte/Folhapress

"Infelizmente, para muitos colegas, a gente é o cocô do cavalo do bandido em pó", brinca o bioantropólogo Walter Neves, 58, que idealizou o laboratório. "Essa coisa de trabalhar na interface entre biologia e ciências humanas, como a arqueologia, não é vista com bons olhos."

O cientista diz que a preocupação vem do fato de que sua aposentadoria está se aproximando –deve ocorrer em outubro de 2017–, do congelamento de novas contratações de professores devido aos problemas financeiros da USP e do desinteresse dos colegas do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva por sua linha de pesquisa.

"O departamento é majoritariamente constituído por geneticistas humanos, que têm dificuldade de entender que nossa área envolve antropologia, arqueologia e biologia evolutiva", escreveu em manifesto enviado à Folha.

O carro-chefe do trabalho da equipe é o estudo da forma do crânio dos mais antigos brasileiros, como a famosa Luzia (veja acima).

O grupo demonstrou ainda a convivência entre os primeiros habitantes do país e grandes mamíferos extintos, como os dentes-de-sabre.

Apesar de 2017 ainda parecer relativamente distante, Neves argumenta que o laboratório não terá como funcionar sem um "regime de transição". "A pessoa que me substituir precisa ser inteirada da curadoria das coleções, algo nada trivial. É preciso haver uma sobreposição."

"Para mim seria cômodo entregar as chaves e pronto. Não estou defendendo um assunto pessoal –a questão são os recursos públicos que foram usados para construir uma infraestrutura que pode acabar se perdendo."

CONFLITOS

O biólogo Luis Eduardo Soares Netto, chefe do departamento do qual faz parte o laboratório, disse que a continuidade dos trabalhos "é uma preocupação muito grande" e elogiou a pesquisa produzida por Neves.

"Existem, porém, várias limitações institucionais para as ações de um chefe de departamento. Em alguns momentos, as áreas nas quais os concursos são abertos são definidas em fóruns que contam com a participação de vários docentes do departamento."

Ele citou ainda que é preciso lidar com as demandas conflitantes de todas as áreas do departamento.

Neves procurou também o pró-reitor de pesquisa da USP, José Eduardo Krieger, para tratar da situação. "Tenho interesse pessoal em identificar soluções para o problema", disse o pró-reitor em e-mail ao qual a Folha teve acesso.

Por meio de sua assessoria, a reitoria da USP informou que pretende começar a identificar áreas prioritárias nas quais deve haver falta de professores e repor essas vagas a partir de 2016.

No entanto, a reitoria disse, assim como fez Soares Netto, que não cabe a ela decidir a área de atuação dos professores contratados.


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