Folha de S. Paulo


Para historiador, tecnologia mudou mais a sociedade do que a política

Esqueça a batalha de Waterloo ou a Revolução Constitucionalista. Há quem dê mais importância para a maneira como os acontecimentos tecnológicos mudaram a sociedade –mesmo que, nas escolas, eles não sejam tão valorizados, em detrimento de acontecimentos políticos.

"Como Chegamos Até Aqui" (editora Zahar), livro do historiador da tecnologia americano Steven Johnson que chega agora às livrarias, vai por esse caminho.

Veja o caso do vidro. O aprimoramento do seu processo de produção, por volta do século 13, especialmente em Veneza, permitiu a invenção das lentes –e, assim, dos óculos.

National Archives Catalog
Mulheres entregam gelo, usado para refrescar casas, durante a Primeira Guerra, nos EUA
Mulheres entregam gelo, usado para refrescar casas, durante a Primeira Guerra, nos EUA

As lentes permitiram ainda os microscópios, que permitiram vacinas, antibióticos e todo tipo de desenvolvimento da medicina, com os impactos demográficos que isso proporcionou. (Isso sem falar no telescópio, que revolucionou nosso conhecimento do Universo.)

Fernando Mola/Folhapress

Por fim, a fibra de vidro, além do material que reveste os aviões, permitiu a internet e a comunicação global.

Tão interessante quanto é a história das geladeiras e ar-condicionados. Johnson conta a história de um navio que aportou no Rio de Janeiro em 1834 trazendo no seu porão um pedaço de um lago congelado dos EUA.
Embora o negócio tenha demorado um pouco para emplacar, com o passar das décadas surgiu, ainda no século 19, um fabuloso mercado internacional de gelo.

Em um mundo sem máquinas de gelo ou refrigeração artificial, o negócio da distribuição de gelo possibilitou o transporte de carne sem apodrecimentos, permitindo a expansão da pecuária para lugares distantes.

A refrigeração possibilitou ainda que os humanos ocupassem regiões mais quentes, mudando a geografia dos países. Quando veio a geladeira, por fim, revolucionou-se a alimentação doméstica.

O livro de Johnson lembra a obra "Em Casa – Uma breve história da vida doméstica", do jornalista Bill Bryson, autor do festejado "Breve história de quase tudo", ambos publicados no Brasil pela Companhia das Letras.

Algumas das histórias contadas são até repetidas, e o livro de Bryson é mais completo e divertido.

Johnson cita, no seu livro, o filósofo Manuel de Landa, que propõe um exercício: imaginar que um robô fosse escrever a história humana.

Do ponto de vista do robô, coisas que estudamos na escola como a Carta Magna ou a queda do Império Romano "seriam notas de rodapé". Os divisores seriam os marcos tecnológicos. Talvez nós humanos supervalorizemos um pouco a política.

"Se uma lâmpada pudesse escrever a história dos últimos trezentos anos", afirma Johnson, essa seria uma história de "empenho na busca da luz artificial, de batalha contra a escuridão". Ou de como os humanos iluminaram tanto a Terra que a luz artificial das cidades pode hoje ser vista até do espaço.

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COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI
AUTOR STEVEN JOHNSON
EDITORA ZAHAR (236 PÁGS.)


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