Folha de S. Paulo


Estranho dinossauro da China tinha asas de morcego

Imagine um universo paralelo no qual as aves, em vez de usarem um conjunto especial de penas para voar, acabaram desenvolvendo asas como as dos morcegos, feitas com membranas de pele.

Pois algo muito parecido com isso aconteceu de verdade com um pequeno dinossauro chinês, segundo um novo estudo.

E não foi propriamente por falta de penas que ele ficou desse jeito. O fóssil do Yi qi (pronuncia-se mais ou menos "ii tchi"), ou "asa estranha", em chinês, mostra que o animal era penoso, mas suas plumas estavam mais para filamentos meio rígidos do que para as estruturas delicadamente assimétricas que ajudam a sustentar o voo das aves modernas.

A característica mais surpreendente do animal, porém, é a presença de um par de ossos alongados, os quais se projetam a partir dos pulsos e parecem estar ligados a uma membrana.

É algo muito parecido com o que se vê nos tornozelos de vários morcegos e nos pulsos de pterossauros (répteis voadores extintos) e mamíferos atuais que sabem planar, como os esquilos-voadores do Japão.

"Sem dúvida é uma das descobertas mais fantásticas dos últimos anos", diz Taissa Rodrigues, paleontóloga da Universidade Federal do Espírito Santo que trabalha com pterossauros e comentou o estudo a pedido da Folha.

A descrição do Yi qi está em artigo na revista científica "Nature", assinada por um dos principais especialistas em dinossauros da China, Xing Xu, da Universidade Linyi. Os trabalhos de Xu e seus colegas ajudaram a mostrar de uma vez por todas que as mais antigas aves não passam de pequenos terópodes (dinossauros carnívoros) que colonizaram os ares.

A nova espécie, de 160 milhões de anos e apenas 400 gramas, tem parentesco evolutivo próximo com o grupo dos penosos de hoje, sendo inclusive um pouco mais antiga que o Archaeopteryx, tradicionalmente considerado a primeira ave.

Outros terópodes da China chegaram a realizar experimentos evolutivos com formas malucas de voar ou planar –um deles chegou a ter "quatro asas", com penas associadas ao voo em todas as patas–, mas nenhum chega perto da esquisitice do Yi qi.

MAS VOAVA MESMO?

Essa é a dúvida que ainda atormenta os paleontólogos, que não sabem qual era o formato exato da membrana do bicho. Por um lado, as estruturas compridas "são bem mais desenvolvidos do que o pteroide, o osso alongado do pulso dos pterossauros", diz Taissa.

Por outro lado, uma análise das espécies atuais indica que elas são mais parecidas com os ossos de sustentação dos esquilos-voadores, que planam bastante bem, mas não conseguem bater asas e manter um voo sustentado.

Um segundo ponto importante é que, quando olhadas em seu conjunto, as patas da frente do bicho não parecem possuir superfícies adaptadas a receber os músculos poderosos que todo animal capaz de bater asas possui.

Segundo a paleontóloga brasileira, seria interessante achar um novo espécime com o pulso mais bem preservado, o que demonstraria a posição exata do novo osso. Falta também descobrir a parte inferior do corpo do bicho (da barriga para baixo), que não ficou preservada no fóssil descrito na "Nature".

De qualquer modo, se a espécie ganhou mesmo os ares, é estranho imaginar por que ela adotaria essa "estratégia de morcego" considerando que ela já contava com várias das adaptações que acabariam possibilitando o voo das aves. Não haveria um jeito menos estranho de voar?

"É uma boa pergunta", disse Xu à Folha. "Aparentemente essa espécie escolheu um caminho incomum para chegar aos ares se comparada com seus parentes. Por outro lado, porém, asas membranosas estão presentes em todos os outros vertebrados terrestres que voam ou planam com exceção das aves, e talvez esse seja o jeito mais fácil de voar, no fim das contas."


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