Folha de S. Paulo


É preciso admitir que falhamos contra o aquecimento global, diz filósofo

Michelle V. Agins - 13.jul.2014/The New York Times
O filósofo e especialista Dale Jamieson durante aula de ioga em Nova York, nos EUA
O filósofo e especialista Dale Jamieson durante aula de ioga em Nova York, nos EUA

O filósofo e especialista em ética ambiental Dale Jamieson comprou briga com a legião de ambientalistas e diplomatas ocupada há duas décadas com a negociação de acordos internacionais contra a mudança do clima ao afirmar, em seu último livro, que tudo simplesmente fracassou.

Foi logo no título: "Razão em Tempos Sombrios - Por que Falhou a Luta Contra a Mudança do Clima e o que Isso Significa para o Nosso Futuro". Errará, contudo, quem concluir que ele defende a prostração diante do inevitável: "O desafio agora é moderá-la".

Jamieson se declara irritado com a mania ambientalista, a cada relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, que já produziu cinco), de dizer que se trata da última oportunidade de salvar o planeta. Veja a entrevista dele à Folha.

*

Folha - Num ensaio para a "The New Yorker", o romancista Jonathan Franzen cita seu livro para demonstrar impaciência com ONGs que só têm olhos para a futura mudança do clima.

Dale Jamieson - O ensaio foi tremendamente controverso. Acho que ele levanta questões importantes. O ambientalismo tem muitas fontes, algumas relacionadas à manutenção de tradições, mais locais, e outras globais, muito mais ligadas a ideias pós-modernas de eficiência, de "espaçonave Terra".
Franzen está preocupado com esse sentimento de culpa por não sermos capazes de fazer nada a respeito da mudança do clima, enquanto podemos fazer algo sobre outras questões [como a proteção de espécies de pássaros].
Não acho que haja algo de errado com decidir fazer algo para proteger habitats localmente. Não acho que ele esteja sugerindo abandonar a luta contra o aquecimento global. Lamento tenham visto nele só diversionismo em relação à mudança do clima.

Franzen parece muito mais irritado do que o senhor.

É difícil dizer. Franzen é um romancista. Ele escreve de maneira muito mais expressiva. Pessoas que escrevem como eu também se irritam, mas não exprimem irritação de maneira tão direta.

O título de seu livro diz que a luta contra a mudança do clima fracassou. Não soa como provocação?

Sim, soa.

Foi intencional? Opção sua ou do editor?

Minha opção. Toda vez que o IPCC lança um relatório, há uma grande mobilização para propagar que essa é a última chance de salvar a Terra, a janela está se fechando etc. É uma construção retórica.
Já estamos comprometidos com um milênio de mudança climática séria. Precisamos começar a reconhecer os fracassos que já ocorreram. O desafio agora é moderar a mudança, desacelerá-la.
Precisamos iniciar soluções modestas. Por exemplo, um imposto moderado sobre o carbono, ou um sistema modesto de "cap-and-trade" [teto de emissões e comercialização de cotas]. Precisamos dar pequenos passos.

O que o sr. espera de Paris?
Algum tipo de sistema de compromissos que possam ser acompanhados. Mas não haverá nenhum sistema internacional de reduções compulsórias de emissões, com sanções. Não vai acontecer.

O sr. leu o "Manifesto Ecomodernista"? Os autores parecem bem confiantes em soluções tecnológicas.
Para quase todo problema ambiental, tenderemos a ver a solução como tecnológica -carros híbridos, uma nova geração de baterias. No entanto, as soluções tecnológicas muitas vezes já existiam muito antes de se tornarem competitivas. Os catalisadores para carros foram inventados nos anos 1920. Inventar uma tecnologia é fácil, difícil é disseminá-la.
Quando se lê pessoas envolvidas nesse movimento ecomodernista, raramente se encontra algo sobre a preservação de ambientes selvagens, de espécies animais, e isso é parte importante do ambientalismo, também.

*Um dos argumentos em seu livro é que não fomos equipados pela evolução com as ferramentas cognitivas para lidar com a questão complicada da mudança do clima. *
Mas certos "empurrõezinhos" podem nos ajudar. O gás que usamos nos fogões não tem odor. Ele nos mataria se não adicionássemos um cheiro que sinalize vazamentos ao sistema sensorial.
O CO2 é um gás insípido, incolor e inodoro. Num experimento mental, podemos imaginar que ele seja verde e tenha um cheiro terrível. Será que com isso reagiríamos de maneira mais agressiva a ele?

Que odor o sr. adicionaria à mudança do clima?
Não sei se isso responde sua pergunta, mas precisamos enxergá-la como um problema único e cognitivamente desafiador. Isso é o que me separa de alguns outros escritores, incluindo Naomi Klein. Há essa tendência incrível a assimilar a mudança do clima a outros problemas e dizer: ah, é o capitalismo, ou mais um problema de poluição. Para mim, não é um problema como os outros, é um problema novo.

Então o sr. não concorda com Naomi Klein que o problema esteja no capitalismo?
Sim. Eu nunca sei direito qual seria a alternativa ao capitalismo. As sociedades mais variadas do mundo se voltaram para os combustíveis fósseis, que claramente possuem vantagens.


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