Folha de S. Paulo


Baleias na menopausa são líderes influentes, especialmente na crise

Quando o salmão está em falta nas águas gélidas do Pacífico Norte, as orcas adotam um lema simples para não morrer de fome: siga a vovó.

Ocorre que as baleias que já passaram pela menopausa têm mais probabilidade de liderar a busca por comida numa das populações da espécie –e essa tendência fica ainda mais clara quando os salmões, o "arroz com feijão" dessas orcas, torna-se mais escasso.

Os dados, descritos em artigo na revista científica "Current Biology", dão mais combustível para as hipóteses que tentam explicar a evolução da menopausa.

Trata-se de uma fase do ciclo de vida feminino que é muito raro entre os mamíferos –só entre seres humanos e alguns cetáceos, como as orcas, é possível encontrar fêmeas que vivem várias décadas depois de perder a capacidade de se reproduzir.

"As vovós são enciclopédias de conhecimento ecológico, que ajudam os filhos e netos quando falta comida", resume Alexandre Zerbini, brasileiro que é oceanógrafo do Laboratório Nacional de Mamíferos Marinhos dos Estados Unidos.

"Outro estudo feito com essa população mostrou que o risco de mortalidade aumenta consideravelmente para fêmeas e machos adultos quando eles perdem suas mães."

Editoria de Arte/Folhapress

Zerbini, que comentou a nova pesquisa a pedido da Folha, conhece bem a população de orcas estudada. São bichos que vivem na costa noroeste dos EUA e sudoeste do Canadá, mais ou menos entre as cidades de Seattle e Vancouver (veja o mapa).

Para demonstrar a liderança das avós orcas, pesquisadores liderados por Lauren Brent e Darren Croft, da Universidade de Exeter (Reino Unido), analisaram pacientemente quase 800 horas de vídeos dos cetáceos em ação.

Após algum treino, esses biólogos especializados conseguem usar marcas no corpo e nas nadadeiras para identificar cada indivíduo, o que permite mapear o comportamento dos diferentes membros de um bando.

Resultado: as fêmeas em fase pós-reprodutiva lideram as incursões do grupo quase 60% mais do que os machos adultos, e 33,3% mais do que as fêmeas adultas nas épocas em que não é muito fácil achar salmões.
Essa liderança é especialmente útil para os filhos das matriarcas, os quais, em geral, são seus seguidores fiéis na hora da "pesca".

COMUNICAÇÃO SIMPLES

"Não temos informações sobre como os outros indivíduos sabem que é interessante seguir as fêmeas mais velhas", diz Lauren Brent. "Mas pesquisas anteriores mostraram que meios complexos de comunicação não são necessários para padrões de liderança e a transferência de informações aconteçam."

De fato, apesar de os chamados das baleias serem relativamente sofisticados, eles estão bem longe de apresentar uma complexidade que se aproxime da linguagem humana.

Seria incorreto achar que a menopausa é algo que tenha evoluído "pelo bem da espécie". Na verdade, uma das hipóteses mais plausíveis para explicar sua origem envolve a chamada seleção de parentesco.

A ideia é que, depois de certo tempo de vida –cerca de 40 anos no caso das orcas–, as fêmeas podem ter uma chance maior de deixar um grande número de descendentes ajudando seus filhos e netos a sobreviver e se reproduzir, em vez de elas mesmas continuarem a engravidar.

Por isso mesmo, não parece ser à toa que os machos adultos são os que mais seguem suas mães: uma fêmea tem mais chances de ter muitos descendentes por meio de seus filhos, já que um macho pode gerar filhotes com várias fêmeas diferentes.

Algo parecido poderia valer para as humanas que alcançam a menopausa –a ideia chegou a ser conhecida como "a hipótese da avó", em referência ao papel de ajudante no cuidado com os netos que as avós desempenham em boa parte das culturas do Homo sapiens.

Segundo Lauren, os cientistas ainda não sabem, porém, se as baleias do sexo feminino também experimentam algo parecido com os calores e mudanças de humor associados à menopausa das mulheres.


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