Folha de S. Paulo


Jacaré do Acre era maior que ônibus e mordia mais forte que tiranossauro

Divulgação
Ilustração do Purussaurus brasiliensis, réptil aquático do Acre
Reconstrução artística do Purussaurus brasiliensis, réptil aquático do Acre

Os tiranossauros podem até ostentar a fama de rex ("rei", em latim) em seu nome científico, mas paleontólogos brasileiros acabam de ajudar um rival a destroná-los.

Editoria de arte/Folhapress
VALE ESTEJACARÉ PRA MAIS DE METRONa mordida, réptil aquático do Acre só perdia para supertubarão

O usurpador vitorioso é um gigantesco jacaré do Acre, cuja mordida era uma das mais poderosas de todos os tempos, duas vezes mais devastadora que a do temido T. rex.

Trata-se do Purussaurus brasiliensis, monstro que vivia nas vizinhanças dos atuais rios Purus, Juruá e Acre na época do Mioceno, há 8 milhões de anos.

A espécie já era conhecida dos cientistas há tempos. No novo trabalho, porém, os pesquisadores fizeram as primeiras estimativas detalhadas de seu tamanho, do peso, da força da mordida e do consumo diário de comida, com base em modelos matemáticos e comparações do bicho com todas as espécies atuais de crocodilos e jacarés.

Após muitas contas, a equipe concluiu que uma bocada do P. brasiliensis exercia, em média, uma força de 70 mil newtons –o equivalente a 7 toneladas de pressão. O valor corresponde a mais de dez vezes a potência da mordida de um leão, e a mais de 20 vezes a de um tubarão-branco.

Os cálculos indicam ainda que o monstro alcançava 12,5 m e 8,5 toneladas, consumindo 40 kg de alimentos por dia.

SÓ FILÉ

"Alimentos", no caso, significa carne. "Os dentes relativamente mais achatados e serrilhados dele são típicos de hipercarnívoros, como certos dinossauros. É dentição especializada em fatiar a presa", diz Aline Ghilardi, paleontóloga da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que é coautora do estudo ao lado do marido, Tito Aureliano, da UFPE, de Pernambuco.

Não faltavam opções para os carnívoros do Mioceno no Acre. Do ponto de vista do P. brasiliensis, a região talvez parecesse um imenso açougue a céu aberto.

Isso porque essa parte da Amazônia na época era um superpantanal, com vastas áreas alagadas e uma rica biodiversidade que incluía tartarugas gigantes, aves aquáticas, roedores de até 700 kg (megacapivaras, digamos) e outros mamíferos grandes.

A estrutura da mandíbula e do crânio do bicho ajuda a entender por que ele conseguia morder com tanta violência. "O formato da cabeça ajuda o animal a sustentar o estresse de uma mordida mais forte", explica Ghilardi. No caso, a carona curta e larga do P. brasiliensis, bem como o focinho alto, eram cruciais para essa tarefa. Além disso, as narinas peculiares, de grande tamanho, também ajudavam a dissipar as tremendas forças geradas pelas bocadas, evitando fraturas.

O principal espécime usado no estudo foi coletado por Jonas Pereira de Souza Filho, ex-reitor da Universidade Federal do Acre. Segundo Douglas Riff, outro coautor da pesquisa e um dos principais especialistas em jacarés e crocodilos fósseis do país, os acrianos têm feito um trabalho de primeira na região.

"Eles são os grandes descobridores e guardiões dos fósseis", diz Riff, que trabalha na Universidade Federal de Uberlândia (MG).

Acredita-se que as características superlativas do P. brasiliensis tenham sido também as razões de sua queda.

Com tanto tamanho, a criatura provavelmente dependia de um ambiente rico em presas de grande porte para prosperar. No entanto, as transformações geológicas na Amazônia, ligadas ao aparecimento das grandes montanhas dos Andes, destruíram o superpantanal da região, eliminando o jacarezão e várias outras espécies contemporâneas.

A pesquisa foi publicada na revista "PLoS ONE".


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