Folha de S. Paulo


Amizade entre diferentes espécies de animais intriga cientistas

Uma cabra brinca com um filhote de rinoceronte. Um porco se aninha a um gato doméstico. Uma serpente faz as pazes com um pequeno hamster.

Vídeos de improváveis duplas de animais brincando se tornaram tão populares que estão despertando o interesse de alguns cientistas. "Não há dúvida de que estudar esses relacionamentos pode revelar fatores que se dão em relacionamentos normais", disse Gordon Burghardt, professor da Universidade do Tennessee.

Outras pesquisas já derrubaram algumas barreiras entre o Homo sapiens e outros animais. Hoje sabe-se que outras espécies partilham de habilidades antes consideradas exclusivamente humanas, como algumas emoções, o uso de ferramentas, a capacidade de contar, certos aspectos de linguagem e mesmo o senso de moral.

No Zoológico e Parque de Safári de San Diego, adestradores têm aproximado guepardos e cães desde que são filhotes. Os cães têm um efeito socializador sobre os felinos ariscos, segundo o zoológico. Os cachorros conseguem identificar a linguagem corporal e desempenham um papel dominante sobre seus companheiros.

Sandy Huffaker/The New York Times
Outra amizade surpreendente, é a de umbezerro com um filhote de rinoceronte
Vídeos na internet mostram amizades surpreendentes, como a de cão e guepardo
Vídeos mostram amizade surpreendente, entre bezerro e filhote de rinoceronte e entre cão e guepardo

Um cão e um guepardo pouco a pouco encontram uma forma de brincar juntos, segundo a adestradora Janet Rose-Hinostroza. Cachorros gostam de lutar, mas a brincadeira preferida dos guepardos é a perseguição– maneira de aprimorar suas habilidades como predador. "Os guepardos meio que dizem: 'Não, não, você precisa ser a gazela!'", disse.

Mas é o asseio, não a brincadeira, que solidifica a amizade cão-guepardo. Inicialmente, os guepardos jovens morrem de medo das tentativas de brincadeira dos cachorrinhos, mas pouco a pouco os dois bichos começam a confiar um no outro e, num dado momento, o guepardo começa a lamber e limpar o cão. "Quando você vê isso acontecer, pensa: 'Sim, o gato realmente gosta do cachorro agora'", disse Rose-Hinostroza.

Alguns cientistas permanecem céticos. Clive Wynne, professor de psicologia da Universidade Estadual do Arizona, disse que todos os vídeos que viu mostram interações que acontecem "em um ambiente controlado por humanos".

"Para mim, é o tipo de coisa que elimina o que de outra forma seria interessante", afirmou. "Porque deixa de ser uma história sobre comportamento animal e se torna uma história sobre o impacto humano no ambiente."

Mas outros veem um terreno fértil para pesquisas. "Existem muitas perguntas", disse a primatologista Barbara Smuts, da Universidade de Michigan, que em 1985 chocou alguns de seus colegas ao usar a palavra "amizade" para descrever os laços entre fêmeas de babuínos. "Sabemos que isso está acontecendo entre todas as espécies. Acredito que a comunidade científica acabará indo atrás."

A antropóloga Barbara King, da Faculdade William e Mary, no Estado da Virgínia, disse que esse tópico pode se beneficiar de uma definição rigorosa sobre o que constitui "amizade" entre membros de espécies diferentes. Um relacionamento, segundo ela, precisa ser mantido por certo tempo, ambos os animais precisam estar envolvidos e algum tipo de acomodação entre eles deve acontecer.

Em alguns vídeos populares na internet, observou King, esses critérios estão ausentes. Num clipe no YouTube que mostra um hamster nas costas de uma cobra, por exemplo, não está claro se os dois são bons amigos ou se a cobra simplesmente não está com fome.

Para Marc Bekoff, professor da Universidade do Colorado, em Boulder, exemplos que envolvem animais criados juntos desde filhotes mostram que muitas espécies estão abertas a esse tipo de contato durante algum tempo depois do nascimento.

"Animais jovens são portas abertas", disse Bekoff, que há muito tempo estuda as emoções dos animais. Segundo ele, os vídeos de interações entre espécies permitem que as pessoas se conectem com um mundo natural do qual estão cada vez mais afastadas.

"As pessoas estão ávidas para se tornarem selvagens", disse. "Estão ávidas para se reconectarem à natureza, e esses exemplos estranhos são sedutores."


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