Folha de S. Paulo


Pererecas barulhentas invadem bairro paulistano e incomodam moradores

Eduardo Anizelli/Folhapress
_E. johnstonei_, espécie de perereca originária das antilhas que invadiu casas no bairro do Brooklin
E. johnstonei, espécie de perereca originária do Caribe e que invadiu casas no bairro do Brooklin

Elas são barulhentas e originárias de uma pequena ilha do Caribe. Já invadiram ilhas vizinhas, a América Central e do Sul. Agora estão ameaçando um bairro de São Paulo. Não são piratas, e sim uma espécie invasora de pererecas.

A Eleutherodactylus johnstonei (nos países de língua inglesa, conhecida como "perereca assobiadora") foram encontrados no país pela primeira vez no Brooklin (Zona Sul).

A psicóloga Marilene Ayalla, 72, convive há três anos com as visitas indesejadas. O barulho alto já a levou a uma crise nervosa, e ela foi parar no hospital. Ela conta que há rumores no bairro de que alguém que criava os animais se cansou do som insuportável e os largou no esgoto.

É muito difícil observar os tímidos anfíbios tão de perto, mas pesquisadores suíços registraram em vídeo o animal e a sinfonia formada por dezenas de machos. Veja abaixo:

Veja vídeo

A hipótese é respaldada pelos cientistas. "Tem aquele bicho grilo que adora criar bicho exótico e depois se cansa", diz o pesquisador Carlos Jared, do Instituto Butantan.

Uma outra hipótese para a bioinvasão seria que os bichos, originários das Antilhas, possam ter vindo em meio a plantas ornamentais como bromélias ou orquídeas.

Os animais, resistentes, também podem ser facilmente encontrados em meio ao jardim da casa da agrônoma Leila Vieira, 46 e do analista de sistemas Reinaldo Lopes, 60.

"O som parece o de uma engrenagem", diz ele. Outros moradores comparam o barulho com um conjunto de pássaros desafinados ou mesmo àqueles alarmes agudos de veículos ou de residências.

O incômodo não é unânime, porém. Um dos filhos de Leila, Caio, de 11 anos, ficou expert em catar pererecas e até ajudou a reportagem tentando fazer com que os bichos posassem para fotografias.

Ele diz que não está nem aí para o barulho e que quer levar os bichos capturados para escola para mostrar aos amigos –para o horror dos professores, provavelmente.

COISA DE MACHO

"Ao contrário da espécie humana, quem vocaliza mais entre os anfíbios são os machos", brinca Célio Haddad, professor da Unesp.

As centenas de machos presentes em apenas uma ou duas quadras perto do cruzamento das avenidas Vicente Rao e vereador José Diniz buscam com seus cânticos atrair as fêmeas, que em período reprodutivo "acham o som irresistível", diz o biólogo.

Para sobreviver, comem insetos, alguns aracnídeos e outros pequenos invertebrados –basicamente tudo que é pequeno e se mexe. No Brooklin, não há predadores naturais. Cobras são predadoras, mas não se sabe se tal solução estaria ao gosto dos moradores.

Não se sabe se essa perereca pode transmitir doenças. A prefeitura já rastreou a invasão e informa estar buscando uma parceria com o governo estadual para resolver o problema e evitar a proliferação.

Uma dificuldade é que não se sabe bem o que fazer. Não basta podar as plantas. Uma solução utilizada no Havaí em um caso parecido foi jogar ácido pela vegetação para exterminá-las, mas ainda se estuda quais as consequências disso.

Não se sabe nem o nome do bicho direito. Segundo Haddad, há bastante nebulosidade na hora de classificar a espécies. São vinte famílias de anuros –anfíbios sem cauda– e só três nomes populares no Brasil: rã, sapo e perereca. Por estar em meio à vegetação, poderia ser chamado de perereca, mas vulgarmente não é errado dizer "sapinho" ou "rãzinha".


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