Folha de S. Paulo


Pouso de sonda em cometa expõe lado humano da exploração espacial robótica

No pouso da sonda Philae, humanos se unem às máquinas

"A Philae está falando conosco", anunciou o encarregado da pequena peça de maquinário que havia acabado de aterrissar pela primeira vez em um cometa, um remanescente congelado da formação do Sistema Solar. "Estamos no cometa."

O robô estava "falando" sobre seu pouso após uma jornada de dez anos e 6,4 bilhões de quilômetros.

O "nós" remete a um famoso relacionamento entre seres humanos e máquinas voadoras, a travessia solitária do Atlântico por Lindbergh no avião "The Spirit of St. Louis". Aqui, o distante mensageiro robótico e o receptor humano -o "nós"- também são parceiros em um novo voo histórico.

A Philae conseguiu aterrissar na superfície do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, corpo celeste gelado e rochoso a 510 milhões de quilômetros da Terra.

Uma vez que num futuro próximo até os mais intrépidos exploradores permanecerão confinados na órbita baixa da Terra, a busca por descobertas nos confins do Sistema Solar fica por conta das sondas robóticas. Essas máquinas são concebidas pelos homens para irem aonde os humanos não conseguem chegar. Mas isso não impede o desenvolvimento de um forte vínculo homem-máquina ao longo dos anos de fabricação, teste e envio de uma missão.

Os inventores dessas máquinas podem passar metade de suas carreiras debruçados sobre uma ideia que eles então lançarão para o céu. Depois, esperam o que pode parecer outra metade até que a invenção chegue ao seu destino. Cientistas e engenheiros acabam personalizando uma experiência que consome tanto tempo de suas vidas, e também a máquina que lhes foi confiada.

Às vezes, eles também são acusados de antropomorfismo, a atribuição de formas e comportamentos humanos a formas não humanas. Uma máquina está "falando" conosco. Ficou "abalada" com os três solavancos no pouso e finalmente irá "descansar" perto de uma parede rochosa (o que não é o lugar ideal, pois impede que a luz do sol alcance seus painéis solares). A coitada da Philae talvez não tenha muito tempo de vida.

Os jornalistas nem sempre resistem à tentação de fazer comparações informais entre encontros distantes. Em 1983, a sonda espacial Pioneer 10 cruzou a órbita de Plutão. Após sobrevoar e fotografar Júpiter e Saturno, a Pioneer continuava viajando.

Escrevendo sobre isso, eu ficava ouvindo o ritmo de "A Pequena Locomotiva", história infantil sobre um trem de brinquedo.
Então eu quis alertar o leitor: como a pequena locomotiva, essa era a pequena sonda espacial que provavelmente avançaria até a fronteira do Espaço interestelar e continuaria viva para contar a história.

O escritor francês Antoine de Saint-Exupéry pode ter conseguido entender nosso problema com perspectiva, em um Universo tão vasto no qual somos tão pequenos. Ele escreveu sobre o Pequeno Príncipe, que vivia em um asteroide onde cuidava de uma única rosa. O livro foi escrito para crianças, mas em grande medida com os adultos em mente.

A raposa que o pequeno príncipe encontra diz algumas das frases mais sábias.

"Só se vê bem com o coração", disse. "O essencial é invisível aos olhos."


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