Folha de S. Paulo


Análise questiona suposto hominídeo apelidado de "hobbit"

Uma descoberta feita numa caverna na ilha indonésia de Flores, levada a público dez anos atrás, foi saudada por um cientista como "o achado mais importante em cem anos sobre a evolução humana".

Diante de um crânio completo e de fragmentos de ossos de vários indivíduos, os cientistas que os encontraram concluíram tratar-se de resquícios de uma espécie humana extinta e até então desconhecida.

Beawiharta/Reuters
Crânio encontrado com outros ossos na ilha de Flores, na Indonésia
Crânio encontrado com outros ossos na ilha de Flores, na Indonésia

Os cientistas australianos e indonésios batizaram a espécie de Homo floresiensis. Alguns apelidaram de "hobbits" esses humanos de estatura incomumente baixa e que teriam vivido na ilha apenas 15 mil anos atrás. Era desconcertante pensar que pessoas com cérebros aparentemente não maiores que os dos chimpanzés -um terço do tamanho dos do Homo sapiens moderno- teriam sido capazes de fabricar as ferramentas de pedra encontradas.

Além disso, um único crânio seria evidência suficiente de uma espécie humana distinta? Como seria possível provar que o crânio de Flores era normal, e não o de um humano moderno com um transtorno de crescimento?

Os céticos acabam de ressuscitar o debate com artigos publicados este mês na "Proceedings of the National Academy of Sciences". Um artigo observa o que seriam falhas nos relatórios originais; outro descreve evidências que sugerem que o indivíduo ao qual o crânio pertenceu teria nascido com síndrome de Down.

Para os críticos, uma das falhas é que a estatura e o tamanho do cérebro mais completo -designado como LB1, por vir da caverna Liang Bua- teriam sido subestimadas. Para eles, a estatura de LB1 era um pouco superior a 1,2 metro, e não um metro, como aponta a estimativa original. As novas medidas do tamanho do cérebro também são maiores.

Os autores do primeiro artigo publicado na "Proceedings" -Robert B. Eckhardt e Alex S. Weller da Universidade Penn State, Maciej Henneberg da Universidade de Adelaide, Austrália, e Kenneth J. Hsu, do Instituto Nacional de Ciências da Terra, em Pequim- concluíram que as características que definem o espécime, conforme descritas, "não confirmam a singularidade ou normalidade necessárias para satisfazer os critérios formais de um espécime biotipológico de uma nova espécie".

Henneberg e Eckhardt foram o autor principal e coautor da hipótese da síndrome de Down. Com base num novo estudo das evidências, eles disseram que as dimensões revistas do crânio e fêmur do LB1 se enquadram na gama prevista para um indivíduo daquela região com síndrome de Down.

A estimativa maior também corresponde às características de alguns moradores atuais das ilhas do Pacífico.

Os cientistas também apontaram para diferenças de traços faciais entre o lado esquerdo e direito do rosto como sendo características de pessoas com síndrome de Down. Notaram que a desordem ocorre em mais de um em cada mil bebês nascidos vivos.

Outros cientistas que tenderam a aceitar a interpretação da nova espécie rejeitaram o que chamam de "hipótese do hobbit doente".

Não foram encontrados mais crânios, que seriam necessários para determinar se LB1 é um indivíduo singular ou se fez parte de uma espécie humana extinta. Até que isso aconteça, disse Eckhardt, as novas análises propõem uma "explicação menos forçada" que o acréscimo de um novo ramo à árvore da família humana.


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