Folha de S. Paulo


Cientistas modificam HIV e conseguem causar Aids em macacos

Um desafio crucial enfrentado por pesquisas que desenvolvem drogas contra a Aids é a impossibilidade de testá-las em cobaias. Os únicos animais que contraem o HIV e desenvolvem uma doença são os humanos. Uma versão alterada do vírus criada nos EUA, porém, infecta macacos, e traz a esperança de acelerar ensaios clínicos.

Para tornar o HIV capaz de infectar os animais da espécie asiática Maccaca nemestrina, os cientistas inseriram nele uma pequena parte do código genético do SIV (vírus de imunodeficiência símia) que infecta macacos na natureza e é um parente relativamente distante do patógeno causador da Aids.

Em estudo na revista "Science", cientistas de uma colaboração que envolveu seis laboratórios descrevem como construíram o vírus, um trabalho de oito anos.

A ideia era fazer com que as proteínas que o patógeno exibe em sua superfície fossem capazes de se conectar às proteínas das células T CD4+ do sistema imune dos macacos e desativar seu sistema de defesa. Essas são as células que, nos humanos, são atacadas pelo HIV.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
HIV em macacos
HIV em macacos

Cientistas começaram o trabalho equipando o HIV com uma proteína de defesa do SIV que lhe permitiu infectar macacos. Ao ser transferido de macaco para macaco quatro vezes, o vírus ganhou adaptações por conta própria, e aprendeu a se conectar melhor a proteínas de superfície das T CD4+ de macacos (veja gráfico acima).

Com as alterações artificiais e mutações induzidas pelo experimento, o HIV já era capaz de adotar macacos como hospedeiros, mas ainda não os deixava com o sistema imune fraco o suficiente para causar Aids. Cientistas viram que isso estava acontecendo porque, mesmo podendo atacar as T CD4+ dos macacos, o HIV alterado estava sendo atacado pelas T CD8+, uma segunda linha de defesa do sistema imune.

Para criar nos macacos um ambiente o mais similar possível ao organismo humano, os cientistas trataram os animais com anticorpos que diminuíam sua população de células T CD8+. Feito isso, os macacos começaram a exibir –pela primeira vez na história da biologia experimental– sintomas da Aids.

SINTOMAS CLÁSSICOS

"Com o sistema imune debilitado, nossos macacos contraíram, por exemplo, a Pneumocystis, uma infecção por fungo que está em livros-texto sobre Aids", disse à Folha Theodora Hatziioannou, do Centro de Pesquisas Aaron Diamond, de Nova York, primeira autora do artigo que descreve o trabalho. Segundo ela, o modelo animal apresentado está pronto para ser usado como plataforma de teste de eficácia de novas drogas antirretrovirais.

"É de fato um grande avanço poder infectar macacos com o HIV, mesmo que modificado", diz Edecio Cunha-Neto, cientista que também usa macacos para testar o protótipo de vacina que a USP desenvolveu. Em seus testes, porém, o desempenho da vacina só pode ser avaliado de maneira indireta nos animais, que não chegam a desenvolver doença nenhuma.

Uma limitação na pesquisa americana é a dependência de inibir células CD8+ artificialmente. Isso impede que o vírus alterado seja usado em testes de vacinas, além de drogas antivirais. "Mas estamos trabalhando para torná-lo patogênico mesmo na presença das CD8+", diz a cientista. "Esperamos conseguir algo dentro de poucos anos."


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