Folha de S. Paulo


Dinossauro tinha sangue 'morno', revela pesquisa

Décadas de debates acirrados sobre como funcionava o organismo dos dinossauros –será que eles tinham sangue frio, como os lagartos, ou sangue quente, como os mamíferos?– talvez se encerrem com uma resposta surpreendente: coluna do meio.

Trocando em miúdos, os animais mais famosos da pré-história teriam sido capazes de gerar ativamente seu próprio calor interno, feito os animais de sangue quente de hoje; mas, ao contrário deles, não adotariam uma temperatura corporal relativamente constante, como os célebres 36,5 graus Celsius que caracterizam os seres humanos.

O resultado vem de uma monumental análise coordenada por John Grady, da Universidade do Novo México, nos EUA, e publicada na edição desta semana da revista especializada "Science". Grady e seus colegas estudaram fósseis de 21 espécies de dinossauros, comparando-as com mais de 350 espécies de animais modernos e extintos.

A chave para a comparação foi o estudo do crescimento ósseo de cada animal. É que, quanto maior a velocidade desse crescimento, mais rápido tende a ser o metabolismo (grosso modo, o funcionamento do organismo) da criatura e, portanto, maior a chance de que ela precise de uma "fornalha" interna para alimentar esse processo.

QUENTE OU FRIO

Para a análise, os paleontólogos examinaram o interior dos ossos fossilizados.

Conforme os animais extintos cresciam, as células ósseas iam sendo depositadas num padrão ritmado, provavelmente anual, formando as chamadas linhas de crescimento. A comparação desses padrões com o que se vê em criaturas modernas dá pistas sobre a velocidade de crescimento de cada espécie.

Estudos anteriores já tinham deixado claro que o metabolismo dos dinos era relativamente alto, bem diferente do de lagartos ou jacarés, que precisam se aquecer ao sol para iniciar suas atividades diárias.
Mas a comparação extensa e detalhada do novo estudo sugere que esse padrão seria, na verdade, algo intermediário, entre o de animais endotermos (de sangue quente) e ectotermos (de sangue frio). Os dinossauros, portanto, seriam mesotermos.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

Algumas espécies modernas com estilo de vida específico também se encaixariam nessa definição, como os atuns, certos tubarões e até a équidna, um mamífero de características primitivas, que bota ovos.

"Parece um estudo completo, levantando alternativas não avaliadas antes, o que é de grande valia", diz o paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto.

Ele vê problemas, porém, com os supostos análogos modernos dos dinos. Langer lembra que, diferentemente de atuns, que nadam com grande velocidade em águas oceânicas e, portanto, usam seus músculos para enfrentar a resistência da água, os dinos, sendo terrestres, "não teriam como gerar tanto calor por atividade muscular".

Segundo Langer, os dinossauros realmente grandes poderiam manter seu corpo aquecido por inércia, na chamada gigantotermia –corpos grandes demoram muito para esfriar, em suma.

"Essa mesotermia proposta por eles se parece, no fundo, com o sistema inercial", diz Reinaldo José Bertini, paleontólogo da Unesp de Rio Claro, para quem o estudo não consegue explicar como viviam os dinos de regiões polares e o papel de regulação de calor das penas nos muitos dinos que as tinham.

Seja como for, no caso de espécies menores, como os ancestrais das aves, o mecanismo ainda não está muito claro. "Ainda falta alguma peça nessa história", pondera Langer.


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