Folha de S. Paulo


Navio e submarino da Guerra Civil Americana são resgatados e estudados

Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), os estados do norte, que defendiam a união do país, bloquearam as costas do sul confederado, que lutava pela secessão dos estados escravocratas. Para fazer frente ao poderio da marinha da União, os confederados produziram o primeiro submarino prático, o Hunley, pequeno e movido a manivelas acionadas por sete marinheiros. O Hunley foi o primeiro submarino da história a afundar um navio de guerra.

Outra inovação dos confederados foi produzir um navio encouraçado, o CSS Virgínia, que destruiu dois navios da União, antes de ser contido no dia seguinte pelo revolucionário USS Monitor, também encouraçado e dotado de uma torre de canhões giratória. Os dois navios fizeram o primeiro combate naval da história entre navios couraçados.

Tanto o Hunley como o Monitor afundaram durante a guerra. Foram redescobertos e resgatados depois de mais de um século no fundo do mar. O trabalho de conservação e pesquisa arqueológica das duas embarcações históricas já leva mais de uma década, e ajudou a criar técnicas que estão sendo usadas em vários outros artefatos históricos em todo o mundo.

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SUBMARINO HUNLEY

Os homens estavam aparentemente serenos. Nada nas suas posições indicava que estavam querendo fugir do pequeno submarino às pressas. Morreram nos seus postos de combate na noite de 17 de fevereiro de 1864. Mas tinham acabado de realizar um feito extraordinário: o Hunley, submarino dos Estados Confederados da América, foi o primeiro na história a afundar um navio de guerra inimigo, o USS Housatonic, dos Estados Unidos da América, inaugurando uma forma de combate que causaria muito dano e mortandade no século seguinte em duas guerras mundiais.

Por que o Hunley não voltou da missão? E como era essa exótica embarcação movida a músculo humano?

Existem imagens da época, mas não há planos de engenharia. Há relatos imprecisos de sobreviventes do Housatonic. A arqueologia tem conseguido mais respostas que a história.
Resgatado em 2000, foi iniciado um laborioso processo de conservação no Centro Lasch, da Universidade Clemson, Carolina do Sul.

O Hunley veio à superfície amparado por uma estrutura que o manteve na posição que estava no fundo do mar, a 45 graus. Ficou assim até 2011, quando foi endireitado. Estava entupido de sedimentos e o casco tomado por "concreções", depósitos calcários fortemente grudados.

Aos poucos foram achados objetos _e esqueletos. Logo se descobriu que em vez de nove tripulantes, como mostravam desenhos, havia apenas oito a bordo.

Não houve dúvida quanto à identificação do comandante, o tenente George E. Dixon. Além de estar na posição esperada perto da escotilha na proa, foi achada uma relíquia especialíssima.

Dixon tinha um talismã, uma moeda de ouro de vinte dólares que salvou sua vida durante a batalha de Shiloh ao ser atingida por uma bala inimiga. A moeda, deformada, foi achada pela arqueóloga chefe do projeto, a dinamarquesa Maria Jacobsen.

No ano passado, análise de restos da haste que continha a mina explosiva do Hunley indicou que ele estava próximo ao Housatonic durante a explosão.

"Este ano o submarino vai ser colocado em uma solução cáustica de hidróxido de sódio para ajudar a retirar a concreção, por cerca de três meses. Nós esperamos que a retirada dessa camada possa dar evidências do que aconteceu naquela noite", disse à Folha Kellen Correia, presidente da organização Amigos do Hunley, pioneira na conservação do submarino.

USS MONITOR

Os estados americanos da "União", ao norte do país, tinham maior potencial industrial que os da "Confederação" ao sul; logo puderam rapidamente criar uma brilhante resposta tecnológica a um desafio dos sulistas. O inovador couraçado USS Monitor acabou tendo uma carreira curta como a do pequeno submarino confederado Hunley, e um destino parecido. Afundou, demorou a ser achado, e parte dele foi resgatado e passa por um lento e longo processo de conservação e pesquisa.

Ele foi construído em Brooklyn, Nova York, em 1862. O USS Monitor foi o primeiro navio couraçado com ferro da marinha americana. França e Reino Unido construíram couraçados antes. Mas o Monitor, ao atacar o confederado CSS Virgínia na manhã de 9 de março de 1862 em Hampton Roads, iniciou o primeiro combate naval da história entre dois navios encouraçados. Curiosamente, mesmo depois de quatro horas de combate, nenhum navio sofreu danos sérios, mostrando que na época a couraça conseguia derrotar bem os canhões inimigos.

O CSS Virgínia era um navio de guerra improvisado, mas letal. Os confederados usaram o casco e o motor de um navio americano abandonado, o USS Merrimack. Fizeram uma casamata de madeira reforçada por ferro, com canhões nos bordos. Já o USS Monitor tinha uma bem mais eficaz torre giratória com dois canhões.

No dia anterior ao famoso combate, o CSS Virgínia tinha atacado a esquadra americana bloqueando o rio James, Virgínia, e afundou dois navios de madeira, o USS Cumberland e USS Congress. À noite, o USS Monitor chegou ao local dos combates.

Em maio seguinte os confederados destruíram o Virgínia em função do avanço das tropas da União. O Monitor continua apoiando tropas em ação na região do rio James. Mas, enviado em dezembro para auxiliar no bloqueio naval da Carolina do Norte, o Monitor afundou ao largo do cabo Hatteras. Da tripulação, 47 foram resgatados e 16 morreram.

Encontrado em 1973, só em 1983 que a âncora do Monitor foi resgatada. A principal peça, a torre de canhões, só em 2002 foi içada.

Estudos recentes com a torre foram relatados na última edição da revista especializada na guerra civil americana, "Civil War Times".

'MONITORES' BRASILEIROS

O USS Monitor deu origem a uma série de navios semelhantes, tanto que eles passaram a ser conhecidos como "monitores". A marinha americana usou bom número desse tipo de navio durante o resto da Guerra Civil (1861-1865). A segunda força naval a usar monitores em combate foi a Marinha do Brasil, durante a Guerra do Paraguai (1865-1870).

Os brasileiros tinham o desafio de penetrar o rio Paraguai enfrentando baterias de canhões paraguaios nas margens. Isso só seria possível com navios couraçados. A Marinha colocou em ação tanto couraçados com casamatas para canhões como outros com torres giratórias. Estes últimos foram considerados mais eficazes em combate.

Alguns desses pequenos couraçados para uso fluvial foram encomendados no exterior, na França e no Reino Unido. Foi o caso do monitor Bahia, construído no Reino Unido. Alguns foram produzidos no Arsenal de Marinha no Rio de Janeiro, como seis pequenos monitores que também receberam nomes de estados, como Alagoas e Pará.

Algumas das placas de ferro dos couraçados brasileiros estão preservadas no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. É possível ver nelas as marcas das balas dos canhões paraguaios.

editoria de arte/folhapress

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