Folha de S. Paulo


Novo estudo sobre células-tronco é investigado por suspeita de fraude

Parecia bom demais para ser verdade. Criar células-tronco embrionárias a partir de células adultas só com um banho ácido? Apenas 18 dias após publicar esse resultado com camundongos, a revista científica "Nature" anuncia que foi aberta investigação sobre possível fraude.

O escândalo lembra de modo sinistro o de Woo-Suk Hwang, sul-coreano que saltou para a fama em 2004 com artigo na revista "Science" (concorrente da "Nature") sobre clonagem de células-tronco embrionárias humanas. Menos de dois anos depois, Hwang admitiu ter falsificado dados da pesquisa.

Legiões de biólogos se debruçaram sobre os dois artigos de Haruko Obokata, chefe do Laboratório de Reprogramação Celular do Instituto Riken em Kobe (Japão), publicados na "Nature". É posição incomum naquele país para uma mulher de 30 anos.

Confirmada a eficácia do método, biólogos celulares ficariam livres dos processos complexos para obter células-tronco embrionárias.

Os protocolos que existem envolvem clonagem ou manipulação genética para que células adultas revertam a um estado primordial. Ou seja, para que readquiram a capacidade de originar tecidos de qualquer parte do corpo.

Isso é o que as torna tão atraentes para a pesquisa de tratamentos de doenças degenerativas, como o mal de Parkinson. As células seriam obtidas do próprio paciente, sem risco de rejeição.

A investigação, noticia a "Nature" em seu site (www.nature.com/news/acid-bath-stem-cell-study-under-investigation-1.14738), teve início no Instituto Riken.

Surgiu em resposta à proliferação de mensagens em blogs levantando a suspeita de duplicação e de manipulação de imagens nos artigos e à generalizada dificuldade de reproduzir seu resultado.

IMAGENS MANIPULADAS
Numa das imagens, a de sequências de DNA distribuídas em bandas numa placa de gel, podem-se enxergar linhas verticais de emenda separando a terceira faixa da segunda e da quarta.

Se de fato essa coluna foi agregada à figura, terá sido uma violação das boas práticas do setor, pois todo especialista vai supor que se trata da foto de uma única placa.

Além disso, já circulavam entre pesquisadores da área dúvidas sobre um trabalho anterior de Obokata, de 2011. Os problemas apontados nesse outro caso dizem respeito, igualmente, a manipulação de imagens que comprovam as transformações de células.

A suspeita afeta também a reputação de um pesquisador da Universidade Harvard, Charles Vacanti, coautor do artigo. Ele disse à "Nature" ter tomado conhecimento de uma confusão com algumas figuras e que já teria feito contato com seus editores para pedir uma correção.

"Certamente parece ter sido um erro honesto, [que] não afetou nenhum dos dados, as conclusões ou qualquer outro componente do artigo."

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

As outras imagens suspeitas são de placentas de camundongo. Elas deveriam mostrar coisas diversas, mas parecem idênticas.

Neste caso, as fotografias foram fornecidas por outro nome famoso da área de clonagem, Teruhiko Wakayama, da Universidade de Yamanashi, também coautor dos artigos. Ele disse à revista que enviou mais de uma centena de imagens para Obokata e que deve ter ocorrido alguma confusão com elas.

Wakayama só conseguiu reproduzir os resultados de Obokata com sua ajuda. Já Vacanti afirma que não teve problemas. Jornalistas da "Nature" não tiveram resposta da pesquisadora.

Um porta-voz do grupo Nature disse: "O assunto foi trazido à atenção da 'Nature' e estamos investigando".

O escritório de relações públicas do Instituto Riken afirmou ao blog Science Insider, da revista científica "Science": "No momento, os resultados publicados na 'Nature' são sólidos".

GRUPO BRASILEIRO
Um dos grupos a ver problemas no artigo de Haruko Obokata foi o de Marcelo Nóbrega, geneticista brasileiro da Universidade de Chicago. A equipe encaminhou a editores da "Nature" dúvidas sobre a imagem que parece manipulada.

Foi por acaso que a figura chamou atenção. Numa reunião para discutir artigos, o de Obokata foi projetado em grande formato. Com a ampliação, ficaram evidentes as linhas que agora se acredita serem "cicatrizes" da manipulação.

"Havia algo de muito estranho naqueles trabalhos", afirma Nóbrega. "É preciso dar a Obokata o benefício da dúvida, mas, se seu método não vier a ser reproduzido, ela terá arruinado sua carreira."


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