Folha de S. Paulo


Tribos africanas possuem parte de DNA europeu, mostra estudo

As tribos de caçadores-coletores que vivem no sul da África costumam ser vistas como uma espécie de modelo quase intacto dos primeiros Homo sapiens, relativamente isoladas desde que a nossa espécie surgiu há mais de 100 mil anos. Daí a surpresa que vem dos dados de uma nova pesquisa: parte do DNA dessas tribos lembra muito o de... italianos e espanhóis.

E, ao que tudo indica, a mistura genética aconteceu há mais de mil anos, muito antes de os europeus chegarem à região durante a Era dos Descobrimentos, a partir do século 15. Isso significa que os genes "europeus" aportaram no sul da África de maneira indireta, por meio de uma espécie de "telefone sem fio" envolvendo outros povos africanos e vários séculos, afirmam os cientistas responsáveis pelo estudo.

A pesquisa foi publicada na revista científica americana "PNAS" e foi coordenada por David Reich, da Universidade Harvard.

A equipe de Reich se beneficiou do fato de que está cada vez mais fácil e barato obter um grande volume de dados do genoma humano. Com isso, conseguiram comparar trechos do DNA de mais de mil pessoas, pertencentes a 75 populações diferentes mundo afora, entre as quais 15 tribos "khoisan", como são conhecidos os caçadores e pastores do sul da África.

A comparação foi feita com base em mais de meio milhão de SNPs (pronuncia-se "snips"), variantes de uma única "letra" química do DNA que trazem pistas sobre a origem geográfica das pessoas que as carregam.

'EURASIÁTICO'

Após usar programas de computador para analisar essa massa de dados, os pesquisadores verificaram a presença de variantes genéticas de origem "eurasiático-ocidental". Trocando em miúdos: derivados da mesma população que originou tanto os europeus quanto os povos do Oriente Médio. Um dos grupos "khoisan" parece ter herdado 14% de seus genes desse grupo.

A explicação para o mistério parece estar em outros povos da África, moradores da Etiópia, da Tanzânia e do Quênia, no leste do continente. Entre certos grupos etíopes, por exemplo, esse mesmo componente genético parece corresponder a 50% do DNA, e com uma origem bem mais antiga, com cerca de 3.000 anos.

Daí o cenário proposto pela equipe: grupos do Oriente Médio, talvez vindos da Arábia ou da Palestina, teriam primeiro chegado ao leste da África e se misturado à população local. Mais tarde, descendentes miscigenados desse grupo teriam partido rumo ao sul do continente, daí a menor proporção de genes "eurasiáticos" ao longo do tempo. A semelhança com italianos e espanhóis seria explicada pelos ancestrais comuns de ambas as populações.

Ninguém imaginava essa história complicada para os "khoisan" porque tanto sua aparência física quanto sua cultura é bem diferente das dos outros africanos. Eles falam, por exemplo, estranhas línguas de "cliques" - com sons feitos estalando a língua no céu da boca.

"Isso mostra que nenhuma população de hoje descende de forma intocada dos africanos da Idade da Pedra", diz John Hawks, paleoantropólogo da Universidade de Wisconsin em Madison (EUA). "Todos os grupos do mundo estão conectados pelo fluxo gênico desde o fim da Era do Gelo."


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