Folha de S. Paulo


Estudo ajuda a elucidar funcionamento do cromossomo X

Os cientistas sabem que os cromossomos X das células fazem parte do sistema que determina se um ser humano será masculino ou feminino. Se um óvulo herda um cromossomo X dos dois pais, torna-se feminino. Se recebe um X de sua mãe e um Y do pai, masculino.

Mas o cromossomo X mantém alguns mistérios. Um deles é que as mulheres "desligam" um cromossomo X em cada célula, deixando apenas um ativo. Esse é um passo drástico para se dar, já que o cromossomo X tem mais de mil genes.

Em algumas células, o cromossomo do pai fica adormecido e em outras, o da mãe. Embora os cientistas saibam dessa chamada "desativação do cromossomo X" há mais de 50 anos, as regras que ela segue ou mesmo como evoluiu são pouco conhecidas.

Na revista "Neuron", cientistas revelaram uma visão inédita da desativação do cromossomo X no corpo. Eles encontraram uma notável complexidade no padrão em que os cromossomos eram ligados e desligados.

Ao mesmo tempo, cada cópia do cromossomo X contém versões de genes não encontradas em seu parceiro. Assim, ter dois cromossomos X dá às fêmeas maior diversidade genética que os machos, com seu único cromossomo X. Por causa disso, as fêmeas têm uma complexidade genética que os cientistas apenas começam a compreender. "As fêmeas simplesmente têm acesso a reinos da biologia que os machos não têm", disse Huntington F. Willard, diretor do Instituto para Ciências e Políticas do Genoma na Universidade Duke, na Carolina do Norte, que não participou da pesquisa.

Nas fêmeas, os genes adicionais fornecidos pelo segundo cromossomo X podem, em alguns casos, oferecer uma vantagem genética. Já nos machos, a biologia peculiar dos cromossomos X pode produzir distúrbios genéticos. Novas pesquisas sugerem que eles podem criar um risco especial de câncer nas fêmeas. Compreender a desativação do cromossomo X também pode ajudar a esclarecer o uso das células-tronco em terapias.

O biólogo japonês Susumu Ohno identificou a desativação do cromossomo X no final dos anos 1950.

A geneticista britânica Mary F. Lyon percebeu que podia aprender mais sobre a desativação do cromossomo X criando camundongos, porque os genes de cor ficam no X. Em 1961 ela relatou que camundongos fêmeas exibiam manchas de pelo com a cor de sua mãe e outras com a de seu pai.

Nos últimos anos, o doutor Jeremy Nathans, pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, e seus colegas desenvolveram uma maneira de fazer os cromossomos X de cada genitor se acenderem de maneira diferente em camundongos criados em laboratório. Quando os ratos eram expostos aos gatilhos químicos, as células se acendiam em um mosaico incrível de verdes e vermelhos. Uma célula podia silenciar o X da mãe enquanto sua vizinha silenciava a do pai.

Em alguns cérebros, por exemplo, o cromossomo X da mãe era visto dominando o lado esquerdo, enquanto o do pai dominava o direito. Em alguns ratos, um olho era dominado pelo pai e outro pela mãe. A diversidade se estendia a todo o rato.

Os cientistas não sabem como uma célula escolhe um cromossomo ou outro para silenciar. Mas eles identificaram várias moléculas que fazem isso. O líder dessa equipe molecular é conhecido como Xist. Estudos da doutora Jeannie T. Lee, pesquisadora do Instituto Médico Howard Hughes na Escola de Medicina de Harvard, e seus colegas mostram que as moléculas Xist envolvem o cromossomo X como um enxame de abelhas. "Elas vão para todos os genes ao mesmo tempo", disse ela.

Por que as células das mulheres deveriam se incomodar com essa dança elaborada também intrigou os cientistas. As fêmeas poderiam ter evoluído para escolher aleatoriamente entre os cromossomos de seus genitores, ganhando maior versatilidade genética. Às vezes um gene em um cromossomo X é defeituoso. As células que usam a cópia saudável do cromossomo X podem compensar.

Os machos, em comparação, são muito mais inclinados a distúrbios genéticos ligados ao cromossomo X, como o daltonismo. Com apenas um cromossomo X em suas células, eles não têm uma cópia de segurança.

Mas o cromossomo X também pode representar risco para as mulheres. A doutora Lee e seus colegas descobriram que, quando "desligavam" o Xist em ratos fêmeas, os animais tinham maior probabilidade de desenvolver câncer. Ela suspeita que, quando uma célula para de fazer Xist, seu cromossomo X desativado desperta. As proteínas extras que ele fabrica podem levar uma célula a crescer de maneira descontrolada.

"Isso traz consequências para a terapia de células-tronco." Quando as células-tronco são criadas no laboratório, às vezes também param de fazer Xist. A doutora Lee está preocupada que as células-tronco femininas possam despertar cromossomos X adormecidos, com consequências devastadoras.

Antes que as células-tronco possam ser usadas com segurança em tratamentos médicos, precisamos solucionar alguns dos mistérios que permanecem nos cromossomos X.


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