Folha de S. Paulo


Físico que está à frente de centro de pesquisa também se dedica ao canto lírico

Quem chegasse ao laboratório de fotônica do Mackenzie na hora do almoço, nos últimos dias, ficaria desconcertado. Ouviria uma voz de baixo profunda entoando o solo que abre a parte cantada do quarto movimento da Nona Sinfonia de Beethoven: "Freude, schöner Götterfunken..."

Nos versos de Schiller, a alegria é uma "bela faísca divina". Mas as únicas centelhas ali produzidas se propagam silenciosas dentro de cabos de fibra óptica.

Quem rege o grupo de alunos de doutorado e pós-doutorado é Eunézio Antônio de Souza, o professor Thoroh.

Bruno Poletti/Folhapress
O físico Eunézio Antônio de Souza, o Thoroh, na obra do prédio que vai abrigar o centro de estudos sobre grafeno Mackgraphe, em São Paulo
O físico Eunézio Antônio de Souza, o Thoroh, na obra do prédio que vai abrigar o centro de estudos sobre grafeno Mackgraphe, em SP

Thoroh, na realidade, é o nome artístico do físico no mundo do canto lírico. Ainda menino de colo, chorava muito para pedir mais comida e ganhou o apelido de "Toró" (pancada de chuva).

O acréscimo dos dois agás ocorreu na adolescência, por sugestão do cantor lírico Amin Feres (1934-2006), como ele um mineiro. Feres detectou o talento musical do então estudante de escola técnica ao passar diante da república onde o jovem morava em Ouro Preto.

O rapaz cantava no banho e foi ouvido, da rua, por Feres, que bateu à porta da casa. Os outros estudantes deixaram que entrasse e batesse na porta do banheiro. Abriu como estava e deu de cara com o futuro mentor.

Quando Thoroh fez vestibular, Feres conseguiu-lhe uma bolsa para estudar canto em Karlsruhe, na Alemanha. "Foi a decisão mais difícil da minha vida", conta o físico. Acabou escolhendo a engenharia metalúrgica.

Durou pouco. Logo Thoroh faria outro vestibular, para cursar física na Universidade Federal de Viçosa, mas pediu transferência e terminou a graduação na USP de São Carlos. Depois o doutorado na Unicamp, sob orientação de Carlos Henrique de Brito Cruz (hoje diretor científico da Fapesp), e o pós-doutorado no Bell Labs (Nova Jersey, EUA).

Nos Estados Unidos, teve aulas de canto com o baixo Jerome Hines (1921-2003). Chegou a ser convidado por ele para uma audição no Metropolitan. Mais uma vez, deu prioridade para a ciência.

O professor do Mackenzie, no entanto, nunca deixou de cantar. Sua participação mais recente numa ópera foi no "Don Giovanni" de Mozart, no papel do Commendatore, o convidado de pedra.

Atualmente ensaia, nos poucos momentos que a pesquisa lhe deixa de sobra, o solo da Nona Sinfonia, que cantará na próxima quinta-feira (às 20h, no auditório Rui Barbosa) com um coro combinado da universidade e a Sinfônica Municipal de Americana --pois ainda não nasceu a orquestra do próprio Mackenzie, que investiu R$ 1,4 milhão para criá-la.


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