Folha de S. Paulo


Físicos que postularam existência da "partícula de Deus" ganham o Nobel

Os cientistas que teorizaram o bóson de Higgs, a partícula elementar que confere massa a outras partículas, são os vencedores do Prêmio Nobel de Física deste ano. O escocês Peter Higgs, 84, e o belga François Englert, 80, dividirão US$ 1,25 milhão concedido pela honraria.

Apelidado de "partícula de Deus", o bóson de Higgs teve sua existência confirmada em julho do ano passado, no Cern, o maior laboratório de física do mundo. A descoberta era a peça que faltava no Modelo Padrão, a teoria vigente da física de partículas.

A indicação para o Nobel, neste caso, foi um tanto quanto complicada porque o Englert e Higgs não foram os únicos a teorizarem o bóson. Robert Brout (1928-2011) também deu contribuições fundamentais a teoria, e uma segunda geração de físicos também teve atuação.

O anúncio do prêmio atrasou mais de uma hora ontem, porque o comitê deliberativo do Nobel ainda estava reunido na hora da divulgação.

Peter Higgs recebeu a notícia ontem em casa e não concedeu entrevista coletiva.

"Espero que esse reconhecimento dado à ciência fundamental ajude a aumentar a consciência sobre o valor da pesquisa de céu aberto", disse, em um breve comunicado transmitido pela Universidade de Edimburgo.

A declaração do cientista escocês é uma menção à necessidade de se produzir ciência que não esteja embasada na realidade do presente, e explora terrenos mais especulativos e abstratos.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

CÉU ABERTO
Quando Englert, Higgs e Robert Brout (outro belga, morto em 2011) começaram a elaborar a teoria sobre o bóson, na década de 1960, ainda não sabia se era possível colocá-la sob teste.
Sem um base experimental onde se sustentar, muitos aspectos de suas ideias eram uma exploração de natureza mais metafísica do que efetivamente científica. Mais do que uma partícula, os cientistas estavam propondo a existência de um mecanismo sobre como essas entidades materiais adquirem massa.

"O bóson era o teste experimental da existência de todo o mecanismo, e nós precisamos esperar um bocado pela comprovação", disse Englert na manhã de ontem, em entrevista coletiva.
"Primeiro tivemos de esperar para ver se a teoria podia ser amarrada ao Modelo Padrão, o que levou um certo tempo", contou. "O Modelo Padrão foi construído durante os anos 1970, e só depois disso foi possível sair em busca de um teste."

DEUS NA FÍSICA
Em uma clássica palestra intitulada "Minha Vida Como Bóson", Peter Higgs disse não apreciar ter seu nome emprestado a essa entidade corpuscular, mas também se manifestou contra o apelido "partícula de Deus".

A ideia saíra de um livro homônimo do físico Leon Lederman, outro ganhador do Nobel. Na obra, ele explica o bóson de Higgs usando uma metáfora que evoca um trecho do Velho Testamento.

Na história da Torre de Babel, a interferência de Deus explica por que a humanidade fala línguas diferentes. Já o bóson de Higgs explica por que as partículas elementares têm massas diferentes. Daí surgiu a expressão tão abominada pelos físicos, que nada tem a ver com teologia.

Editoria de Arte/Folhapress

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