Folha de S. Paulo


Vírus amazônico tem ação mais rápida que o da dengue, mostra estudo

Um vírus amazônico que causa sintomas parecidos com os da dengue teve parte de seu mecanismo de ação desvendado por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

A má notícia: ele consegue invadir as células de hospedeiros mais rapidamente que os vírus da gripe ou da dengue.

É mais um sinal indicando que é preciso monitorar com cuidado o vírus Mayaro, o qual, por enquanto, afeta principalmente pessoas que adentram a floresta.

"Apesar do vírus circular no ambiente da Floresta Amazônica, a cidade de Manaus presenciou recentemente um surto urbano de infecções pelo vírus, e existe um perigo real de que ele se espalhe para centros urbanos ainda maiores", disse à Folha o doutorando Carlos Carvalho, do Laboratório de Biologia Estrutural de Vírus da UFRJ. O laboratório é associado do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia de Biologia Estrutural e Bioimagem (INBEB), uma iniciativa pioneira para o estudo das estruturas de sistemas biológicos no país.

Carvalho apresentou os novos dados sobre a dinâmica de ataque do Mayaro durante a última reunião da Fesbe (Federação de Sociedades de Biologia Experimental), realizada em Caxambu (MG).

Ele ressalta que o vírus é conhecido desde os anos 1950, com cerca de mil casos confirmados de infecção (o número real deve ser maior por causa da semelhança da doença com a dengue).

Acredita-se que o Mayaro circule no organismo de macacos e no de outros animais, como aves. Seu vetor (organismo transmissor) são os mosquitos do gênero Haemagogus, que podem picar pessoas e transmitir o vírus.

"Há casos registrados de pessoas que foram picadas na Amazônia e depois manifestaram os sintomas em seus países natais na Europa", diz o pesquisador da UFRJ.

Editoria de Arte/Folhapress

RUMO AO AEDES?

Em laboratório, já ficou demonstrado que o Mayaro pode ser transmitido também pelo mosquito Aedes aegypti, famigerado vetor da dengue. Se o vírus evoluir de modo a "colonizar" o A. aegypti com mais frequência e eficiência, estaria armado o cenário para a transmissão urbana do patógeno.

Não seria uma hecatombe --não há casos de mortes causadas pelo Mayaro--, mas o dano ainda seria grave porque o vírus leva a inflamações nas articulações.

Havia pouca informação sobre como o Mayaro chegava às células do hospedeiro, e aí é que entra o trabalho da equipe da UFRJ. Os pesquisadores usaram uma espécie de marcador fluorescente para acompanhar o trajeto do vírus rumo ao interior de células do macaco-verde-africano (Chlorocebus pygerythrus).

O vírus Mayaro toma partido de um processo natural da célula, a endocitose, na qual ela traz para dentro de si produtos que "interessam". O vírus simplesmente imita uma dessas moléculas e é "endocitado", como se diz.

O processo leva três minutos para acontecer, contra dez no caso do vírus da dengue.

A pesquisa também achou indícios de que, nesse processo, o vírus se funde a uma membrana de uma das organelas (os "órgãos internos" da célula). O próximo passo é descobrir qual.

"A gente precisa dessas informações para pensar numa estratégia racional contra o vírus. Do contrário, vai ficar sempre tratando apenas os sintomas que ele causa", explica o pesquisador.


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