Folha de S. Paulo


Brasil ganha nova espécie de dinossauro pescoçudo caipira

Em meio a uma parentela que incluía os maiores animais terrestres de todos os tempos, numa época pródiga em gigantes, o Brasilotitan nemophagus não passava de um tampinha: "só" 8 m de comprimento.

Natural da região que um dia viraria o município de Presidente Prudente (SP), o bicho é, por enquanto, a menor espécie brasileira de saurópode, como eram conhecidos os dinossauros quadrúpedes, comedores de plantas e de pescoço longo. Há espécies brasileiras que chegavam perto dos 20 metros.

A descrição formal da criatura de 90 milhões de anos, com base em fragmentos da mandíbula, da coluna e da pelve, entre outros ossos, está em artigo que acaba de sair na revista científica "Zootaxa".

Editoria de Arte/Folhapress

Assinam a pesquisa tanto o responsável por achar os fósseis na rodovia Raposo Tavares, William Nava, do Museu de Paleontologia de Marília (SP), quanto a doutoranda Elaine Machado, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que analisou a anatomia do saurópode nanico para determinar que, de fato, tratava-se de uma nova espécie.

Antes disso, porém, foi preciso "resgatar" os fósseis da ampliação de um trecho da Raposo Tavares, conta Nava. "Observei, num terreno próximo à rodovia, vários blocos de arenito que tinham sido retirados do local. Resolvi investigar, claro", disse ele à Folha.

Em meio a uma série de cacos do período Cretáceo --fragmentos mal preservados de ossos de dinossauros, dentes de crocodilos primitivos e de dinos, escamas de peixe e até coprólitos, ou "cocô fóssil"--, Nava acabou encontrando um conjunto de ossos que parecia corresponder a um saurópode.

A análise conduzida por Elaine e seus colegas indica que se trata de um membro do grupo dos titanossauros, saurópodes caracterizados por "calombos" ósseos espalhados por seu couro. Quase todos os dinos pescoçudos do Brasil já descritos pela ciência pertencem a esse grupo.

COMPARAÇÃO DIFÍCIL

O problema, porém, é que muitas vezes esses bichos são conhecidos apenas por conjuntos de vértebras. A cabeça, em especial, é item raríssimo para esse grupo.

Por isso mesmo, a nova espécie "caipira" é, na verdade, um dos titanossauros mais completos do Brasil, já que os pesquisadores acharam parte da mandíbula, além de pedaços da pelve e de uma pata-- junto com, é claro, as boas e velhas vértebras.

Apesar da dificuldade de comparar os restos das espécies já conhecidas, Elaine afirma que é baixa a probabilidade de os paleontólogos encontrarem restos do mesmo bicho em cada lugar e dando nomes diferentes para cada caco.

"Geralmente são animais adultos ou subadultos, então provavelmente não são apenas variações morfológicas devido à idade do espécime", diz ela. "E, em muitos casos, também estamos falando de locais diferentes e idades diferentes."

Mesmo assim, segundo ela, é bem possível que titanossauros de várias espécies, com diferentes estilos de vida e tamanho, convivessem no Brasil pré-histórico.

Uma pista a esse respeito vem do fragmento da mandíbula do Brasilotitan nemophagus. O bicho tinha uma bocarra quadrada, diferentemente de alguns de seus parentes, o que pode indicar adaptações especiais para se alimentar de determinada planta.

E, por falar em comida, um dos cacos do pescoçudo, um ílio (osso da pelve), apresenta marcas de mordidas que parecem bater com as que poderiam ter sido feitas por um dinossauro carnívoro.

"É difícil dizer se um animal foi mordido por predadores ou por carniceiros quando já estava morto, num caso como esse. Só acharíamos marcas de cicatrização no osso se o animal tivesse sobrevivido algum tempo à mordida", diz a pesquisadora.


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