Folha de S. Paulo


Conjunto gigante de radiotelescópios será inaugurado hoje no Chile

Imagine um radiotelescópio com 16 km de diâmetro --o equivalente a 130 campos de futebol enfileirados. Bem, agora não é preciso mais imaginar. Nesta quarta-feira (13) será inaugurado no Chile o mais ambicioso projeto de astronomia em solo já construído.

O Alma (sigla para Atacama Large Millimeter/submillimiter Array) não é de fato uma parabólica de 16 km, mas é como se fosse. São 66 antenas espalhadas por uma área imensa no platô Chajnantor, que trabalham em concerto para produzir imagens equivalentes às que seriam obtidas com uma única antena gigante.

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O custo do projeto é estimado em US$ 1,5 bilhão e bancado pelo ESO (Observatório Europeu do Sul), além de americanos, canadenses e japoneses.

A radiação captada pelo Alma vem na forma de infravermelho e ondas de rádio. Graças a um supercomputador, as informações de todas as antenas são combinadas em uma única imagem.

Felipe Trueba/Efe
Parte das 66 antenas que compõem o radiotelescópio Alma, no deserto do Atacama, a 5.000 m de altitude, no Chile
Parte das 66 antenas que compõem o radiotelescópio Alma, no deserto do Atacama, a 5.000 m de altitude, no Chile

A mágica na verdade é ciência e atende pelo nome de interferometria. É uma propriedade ligada ao caráter ondulatório da luz que permite, grosso modo, realizar uma observação com as antenas pequenas que corresponderia a ter um radiotelescópio gigante com o tamanho da distância entre as duas antenas mais distantes.

Claro, vários desafios tecnológicos precisaram ser vencidos antes que o Alma saísse do papel. No caso em questão, eles foram superados com três grandes financiadores. Pelo lado europeu, o ESO (Observatório Europeu do Sul) entrou com 37,5%. Americanos e canadenses bancaram outros 37,5%. Os 25% remanescentes vieram do Japão. Total estimado: US$ 1,5 bilhão.

"O Alma na verdade está sendo pensado há 30 anos", diz Al Wootten, cientista do programa para a América do Norte, referindo-se a descobertas feitas com satélites de infravermelho na década de 1980 que mostraram a importância de ter um observatório para explorar essa faixa da luz que é invisível para o olho humano.

TECNOLOGIA DE PONTA
A radiação captada pelo Alma vem na forma de infravermelho e ondas de rádio. Graças a um supercomputador projetado especificamente para o Alma e capaz de realizar quatrilhões de operações por segundo, as informações colhidas por todas as antenas são combinadas para produzir uma única imagem.

Embora não tenham 16 km de diâmetro, as antenas individuais são bem respeitáveis, com 7 e 12 metros. Principalmente quando se leva em conta o cuidado com que foram construídas: sua curvatura precisa ser perfeita no nível de 10 mícrons (milésimos de milímetro) para não distorcer as observações.

Das 66 antenas previstas, 57 já estão instaladas. As demais devem estar no local --uma região inóspita a 5.000 metros de altitude, onde praticamente metade da atmosfera terrestre já ficou para trás.

O que é ótimo para os astrônomos, pois corta boa parte da interferência causada pelo ar nas observações, mas é péssimo para quem tem de trabalhar lá, na construção do complexo.
Para que se tenha uma ideia, para subir ao nível das antenas, é preciso antes passar por um exame médico e levar consigo uma garrafa de oxigênio comprimido. Dores de cabeça e tonturas são o "feijão com arroz" de quem fica por lá muito tempo.

Para tornar tudo mais complicado (e dar maior poder de fogo científico ao observatório), as antenas podem ser movidas de um lugar a outro em diferentes configurações. Há um padrão compacto e outro mais espalhado.

Apesar de aumentar a capacidade investigativa do complexo, dadas as condições ambientais, é possível no máximo mover um antena por dia. Por isso, a reconfiguração é um recurso que se pretende usar esparsamente.

"A ideia é que ganhemos prática para sair da configuração compacta, ir à estendida e voltar à compacta em um ano", diz Thijs de Graauw, diretor do Alma.
Já o centro de controle, de onde os cientistas operam o Alma, fica a cerca de 40 km de distância _e a 2.900 metros de altitude. Ainda alto, mas bem mais civilizado.

PARA QUE TANTO ESFORÇO?
A grande sacada do Alma é que, nas frequências de luz em que ele opera, é possível detectar coisas que normalmente não são observáveis em luz visível, como, por exemplo, estrelas em formação. Abrigadas em casulos de poeira em seu nascimento, elas não podem ser observadas por telescópios convencionais.

Para o Alma, contudo, é moleza. Um exemplo recente, fruto da primeira bateria de pesquisas, é a observação de um disco de poeira ao redor da estrela jovem HD 142527 que, pela configuração, parece estar bem no meio do processo de produção de planetas gigantes gasosos.

O resultado é sem precedentes e ajuda a entender o mistério por trás do nascimento dos planetas _um processo que hoje é compreendido apenas em linhas gerais e pode determinar quão rara ou comum é a Terra no contexto do Universo.

Detalhe: a primeira bateria de observações, feita a partir de outubro do ano passado, usou apenas 16 antenas. Com 66, será possível fazer muito mais e revelar com cada vez mais detalhes os segredos das profundezas do espaço.

A inauguração desta quarta-feira acontece em meio a um clima festivo, com representantes dos governos dos diversos países envolvidos e a presença do presidente do Chile, Sebastián Piñera.

O Brasil, vinculado ao ESO por um acordo de adesão que ainda precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional, será representado pela astrônoma Beatriz Barbuy, da USP.


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