Folha de S. Paulo


Poluição por droga psiquiátrica deixa peixes impulsivos

Um medicamento para ansiedade que polui rios de praticamente todo o mundo está deixando peixes mais impulsivos e pode estar causando desequilíbrio ecológico, mostra um estudo de pesquisadores suecos. Num experimento que manteve percas (peixes da família da tilápia) em águas contaminadas com a droga, cientistas verificaram que os animais comem compulsivamente e se expõem a riscos que os tornam presa fácil para predadores.

Liderado por Tomas Brodin, da Universidade de Umea, o estudo manteve as cobaias vivendo durante sete dias em tanques contendo 1,8 microgramas da droga oxazepan. Essa concentração é baixa demais para comprometer água potável consumida por humanos, mas ainda assim teve efeitos drásticos nos peixes.

"Eles ficaram mais ativos, menos sociais e passaram a correr mais riscos", afirmou Brodin ao apresentar o estudo ontem em Boston, no encontro da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência). Ao contrário de peixes que foram mantidos num tanque de água descontaminada para comparação, as percas que haviam ingerido a droga ansiolítica se aventuravam a nadar longe do cardume, exploravam espaços abertos sem demonstrar medo e comiam zooplâncton (animais aquáticos microscópicos) de maneira compulsiva, sem se preocupar com predadores.

Segundo os autores do estudo, publicado na edição desta sexta-feira da revista "Science", é difícil saber qual intensidade de efeito ecológico essa droga pode ter em ambientes reais. Por um lado, os peixes se expõem mais a predadores, e podem morrer antes de atingir a idade adulta. Por outro, a glutonice das percas pode aniquilar o zooplâncton de um ambiente. Quando isso acontece, é comum ocorrer uma explosão na população de algas, evento que intoxica lagos e rios.

Divulgação
Perca europeia usada no estudo
Perca europeia usada no estudo

PROBLEMA GLOBAL

O problema com o oxazepan está ocorrendo ele ser uma droga da classe dos benzodiazepínicos, ansiolíticos que não degradam na presença de luz e se acumulam facilmente no ambiente após serem expelidos pelo organismo de pacientes humanos e irem parar no esgoto. Brodin diz ter testado os peixes em águas com 1,8 microgramas/litro da droga porque essa foi a concentração medida de oxazepan no rio Fyris, que banha Uppsala.

"Mas a mensagem de nosso estudo é que ele não é um problema particular da Suécia; é um problema global", disse o cientista. "Não usamos nos experimento uma quantidade particularmente alta dessas drogas ansiolíticas. É possível achar concentrações [de benzodiazepínicos] similares a esta em todo o mundo, e é bem provável que esses efeitos comportamentais já estejam ocorrendo."

De acordo com o cientista, não só as percas são prejudicadas. É de se imaginar que o efeito, mostrado no experimento afete qualquer peixe abaixo do topo da cadeia alimentar, possa sofrer as alterações comportamentais. Contudo, nenhum estudo ecológico tentou verificar o efeito direto do oxazepan e de drogas similares em peixes selvagens, ainda.

"O problema é que existem muitas outras interferências que afetam as populações de peixes, e esse tipo de estudo precisaria encontrar bons paralelos ambientais, rios adequados para fazer uma comparação", diz Brodin. "Mas se formos até lá e medirmos a dinâmica populacional, provavelmente veremos esse efeito."


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