Folha de S. Paulo


Com Trump e 'brexit', 2017 terá mudança brusca na política mundial

Ilustração Adriana Komura

Uma recalibragem brusca da política internacional se enuncia para 2017. Se o avanço da direita no ano que passou já era esperado, este acabou ofuscado pela força com que emergiram populismos de todas as estirpes no ocidente e no oriente.

O movimento, difuso porém inequívoco, alimenta previsões para um cenário convulso e de resultados incertos sob a nuvem da "pós-verdade" e a busca pela pós-política.

Se o catastrofismo pode soar exagerado, a dúvida por si só é capaz de injetar um bocado de dificuldade em um ano de travessia.

O eixo dessa reorientação está nos Estados Unidos. Após oito anos sob Barack Obama e a centro-esquerda, a ascensão de Donald Trump à Casa Branca mergulha a potência hegemônica em uma transformação política cuja profundidade é desconhecida.

Eleito pela direita, mas com uma plataforma nacionalista e sem lugar claro no espectro político, Trump promete redesenhar o mapa de alianças americanas. O Congresso local pode frear movimentos mais amplos; não, contudo, gestos inadvertidos de peso simbólico cujos primeiros solavancos já se fazem sentir.

A relação com a China, que também escolherá uma nova liderança no ano que entra, passará por uma metamorfose caso o pragmatismo não sobreviva à retórica eleitoreira. É difícil crer que as duas maiores economias do planeta entrem em choque, mas Trump já demonstrou seu desapreço pelo protocolo entre governos e, consequentemente, pelo equilíbrio geopolítico.

Do lado de lá do Atlântico, o processo de descolamento do Reino Unido da União Europeia pode ditar o sucesso dos movimentos nacionalistas. Líderes com essa bandeira já ganharam força nos países do leste e aos poucos obtêm projeção na França e na Alemanha, as duas maiores economias do continente, que terão eleições neste ano.

Se o "brexit" ocorrer sem maiores traumas, o discurso do "eu sozinho" sairá reforçado, para prejuízo global. Uma ruptura dolorosa, entretanto, em nada interessa aos governos dos dois lados.

O continente ainda tem que lidar com a grave crise dos refugiados -cujo fluxo, ainda que sob menos holofotes, não dá sinais de arrefecer- e suas consequências sociais e econômicas, outro propulsor para políticos que vendem respostas simplistas e retrocessos históricos.

Em seu sexto ano, a Guerra na Síria enovela-se em mais uma crise perene para o Oriente Médio, respingando nos países vizinhos, como Iraque e Turquia, e contaminando toda a política para a região, com ganhos para Moscou e Vladimir Putin.

A bomba-relógio em Ancara, onde a reação do presidente Recep Tayyip Erdoan a uma tentativa de golpe transformou a promissora democracia islâmica turca em uma autocracia que fecha escolas e prende jornalistas, tampouco oferece alívio.

Nessa conjuntura incerta, a América Latina - a América do Sul, especialmente - não passa sem marcas. Eleições no Chile e no Equador proveem mais um teste para a esquerda na região, após a perda de governos na Argentina, no Peru e no Brasil. No segundo caso, será posto à prova ainda o limite esgarçado entre autocracia e democracia.

Cuba, sem a sombra de Fidel mas com a de Trump, também pode acelerar mudanças.

O dilema regional mais premente, porém, está na Venezuela. Com o governo de Nicolás Maduro em colapso e a oposição desarticulada, o chavismo (ou um arremedo dele) faz esforço para sobreviver em meio a uma crise política, econômica e social que tomou a proporção de tragédia humanitária e à qual os países vizinhos têm assistido inertes. A apatia pode custar caro.


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