Folha de S. Paulo


Com conservadorismo em alta, discussão sobre o clima corre riscos

Do ponto de vista da prevenção de eventos climáticos extremos por força do aquecimento global, 2016 até que começou bem. No embalo do Acordo de Paris adotado pouco antes de terminar 2015, uma avalanche de ratificações permitiu que o tratado entrasse em vigor em tempo recorde.

Contudo, poucos dias antes de uma nova conferência anual sobre mudança do clima, em Marrakech, deu-se a derrapada: o republicano Donald Trump elegeu-se presidente dos EUA, que ao lado da China é país decisivo para o sucesso do acordo.

Mario Hoppmann - 22.ago.2015/European Geosciences Union/AFP
Urso polar na região do Ártico
Urso polar na região do Ártico

Trump fala muita bobagem e pouca coisa do que diz deve ser levada a sério. Uma delas é sua negação do problema do clima e, mais que isso, seu desprezo por questões ambientais. O governo americano tem muito poder, ninguém duvida, mas é provável que não consiga deter a marcha da reação contra o aquecimento global.

Trump pode ou não acreditar no problema, mas isso não impedirá a China de pisar fundo no freio à sua dependência do carvão, o pior dos combustíveis fósseis.

Além disso, a consciência do problema se espalha na comunidade empresarial. Um exemplo recente é o novo relatório do Risky Business Project, uma iniciativa de gente com credenciais capitalistas irretocáveis, como Michael Bloomberg e Henry Paulson.

O trabalho se chama "Do Risco ao Retorno: Investindo numa Economia de Energia Limpa". Calcula que seriam necessários US$ 320 bilhões de investimento privado até 2050 para descarbonizar o setor energético e evitar emissões na quantidade necessária para cumprir o objetivo de Paris (manter o aquecimento global abaixo de 2°C).

A eleição de Trump, nesse sentido, pode revelar-se não mais que acidente histórico num caminho que não tem volta. Como não há certeza de que a meta será alcançada, porém, o ideal seria não arriscar nenhum desvio na rota.

Para piorar, não faltam coadjuvantes ao republicano em sua imprudência anticientífica. E não se trata aqui do Tea Party ou do esquisito presidente Rodrigo Duterte, das Filipinas, mas do não menos retrógrado Congresso Nacional.

Se depender dos parlamentares, sobretudo depois que o latifúndio do PMDB e do Centrão tomou o poder, o país nunca abandonará sua vocação fóssil. Essa gente atrasada quer incentivar o uso de diesel e de carvão, na contramão das energias renováveis.

O mesmo vale para o Código Florestal, que pode ficar para as calendas graças à teimosia bovina da bancada ruralista, assim como as metas de redução do desmatamento e recuperação de áreas degradadas assumidas em Paris. Nunca é demais lembrar que a agropecuária continua a ser a maior fonte emissora de gases do efeito estufa por aqui.

O conservadorismo mais irresponsável está em alta em várias partes do mundo. Os conservacionistas, de esquerda ou de direita, aqui e acolá, que fiquem espertos.


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