Folha de S. Paulo


Escola de alunos desaparecidos no México formava 'líderes comunitários'

Em 1926, como parte de um projeto de combate ao analfabetismo e à pobreza em comunidades rurais, o governo do México criou uma rede de escolas especiais, chamadas de Escolas Normais, em que o objetivo era formar alunos com potencial de se tornarem líderes comunitários.

Das 29 unidades da rede, apenas 13 sobreviveram, mas uma delas nunca esteve tão em evidência: a Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, em Ayotzinapa, no Estado de Guerrero, no sul do país.

Dessa escola, mas conhecida como Escola Normal de Ayotzinapa, saiu o grupo de estudantes que em 26 de setembro passado foi atacado pela polícia da cidade de Iguala durante uma manifestação. Seis morreram e 43 estão desaparecidos.

No último dia 4, investigadores descobriram uma vala comum com 28 corpos e já identificaram alguns deles como sendo de integrantes do grupo de Ayotzinapa. Desde então, nada menos que outras oito valas foram encontradas no município de Iguala e há poucas esperanças de que os desaparecidos sejam encontrados com vida.

PROTESTOS

O massacre de Iguala provocou uma onda de protestos no México e indignação em vários países. A Organização dos Estados Americanos (OEA), a ONU e parlamentares europeus pediram o esclarecimento imediato do caso.

O presidente do México, Enrique Peña Nieto, se comprometeu a punir os responsáveis pela tragédia. "Não haverá nenhum resquício para a impunidade", disse ele.

Na segunda-feira, estudantes da mesma escola foram às ruas de Chilpancingo, capital do Estado de Guerrero, em um protesto que terminou em violência; manifestantes enfrentaram a polícia e atearam fogo em partes do Palácio do Governo.

Junto com a indignação pelo desaparecimento dos estudantes, vieram perguntas sobre as vítimas e sobre a Escola Normal de Ayotzinapa, conhecida entre militantes de esquerda como uma espécie de "celeiro de guerrilheiros".

Dois dos principais líderes de luta armada da história mexicana, os professores Lucio Barrientos e Genaro Rojas, vieram de Ayotzinapa.

"Os alunos que estudam naquela escola são militantes e têm maior conhecimento político que a média. Pelo menos é assim que são vistos pelo governo mexicano", diz o correspondente da BBC no México Juan Carlos Perez, que recentemente visitou Ayotzinapa.

CURRÍCULO POLITIZADO

O conceito original das Escolas Normais era formar professores que atendessem às necessidades educacionais de áreas mais pobres do México - e que pudessem atuar como líderes comunitários.

Os alunos recebiam não apenas educação, como também alimentos e lugar para dormir. O único requisito era ser pobre, não ter recurso para estudar em outro lugar.

Durante o governo do presidente Lázaron Cárdenas (1934-1940), uma filosofia ainda mais socialista passou a orientar essas unidades - uma característica que elas mantêm até hoje.

Desde 1940, a relação entre a rede e o governo tem sido difícil, com alunos e professores realizando protestos anualmente por melhores condições para garantir a existência das Escolas Normais.

O grupo de estudantes que enfrentou a polícia em Iguala em 26 de setembro tinha ido às ruas pedir verbas e transporte para participar de manifestações na Cidade do México para marcar o aniversário do Massacre de Tlatelolco, em 1968, quando entre 200 e 300 estudantes foram mortos pela polícia durante um protesto.


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