Folha de S. Paulo


Análise: Os fascistas estão voltando à França?

Milhares de estudantes franceses se reuniram nesta quinta-feira em manifestações contra o partido de extrema direita Frente Nacional (FN), após o sucesso obtido pela sigla nas eleições europeias.

Em Paris, 4 mil estudantes saíram em passeata, com protestos menores ocorrendo ao mesmo tempo em Toulouse, Bordeaux, Nantes e do lado de fora do Parlamento europeu em Strasbourg.

Um dos manifestantes, Kevin Motillon, disse à agencia AP que "por trás da retórica anti-União Europeia [do FN], está um discurso xenófobo, de ódio e de rejeição ao outro, que parece estar desconectado da realidade no mundo atual".

A Frente Nacional venceu as eleições da semana passada, com 25% dos votos de eleitores franceses, o que lhe garantiu 24 assentos no Parlamento.

A vitória - seu maior triunfo na história - é atribuída à política de "desintoxicação" conduzida por Marine Le Pen desde que ela assumiu o comando do partido, em 2011.

Mas seus inimigos ainda não se convenceram de que a FN tornou-se uma força política normal ou aceitável.

No meio político, o FN é visto como um típico partido da visão nacionalista extrema, que se aproveita dos problemas econômicos para insuflar o ódio ao imigrante.

Depois da vitória do FN, a ministra de Finanças alemã, Wolfgang Shaube, disse que não há dúvidas que o partido é "fascista e extremista".

E, no Reino Unido, Nigel Farage, do partido UKIP, disse que nunca se aliará à Le Pen por causa do passado "sujo e antisemita" de seu partido.

IDENTIDADE MUTANTE

Como definir o FN tornou-se um assunto delicado na França.

Se alguém desconsiderar seus elementos extremistas - e falar apenas sua modernização, sua abertura crescente e seu evidente apelo a uma parcela cada vez maior do público -, esta pessoa pode acabar sendo acusada de ter comprado a propaganda do partido.

Se fizer o oposto e tratar os membros do partido como neonazistas, estará caindo na armadilha da caricatura fácil e preguiçosa.

A verdade é que a dificuldade em definir o FN vem do próprio partido, que vem mudando numa transição ainda incompleta e é inconsistente internamente, visto de formas diferentes pelos diversos grupos que o apoiam.

Além disso, a França que vota no FN é uma massa de pessoas em mutação e ainda incerta sobre seus próprios sentimentos e identidade.

Um aposentado da cidade de Rouen pode, por exemplo, conhecer e lidar com pessoas da comunidade árabe, provavelmente de forma mais intensa do que um intelectual de Paris. Mas isso não o impede de temer a "islamização" e votar na extrema direita.

Hoje, o FN tem uma agenda oficial que pode alarmar a alguns, mas que não lhe confere o título de racista e neofascista.

Sim, ele pede por controles sobre a imigração, mas a maioria dos partidos europeus faz o mesmo. O que varia é a intensidade desses pedidos.

SOMBRA DO PASSADO

O FN exige que a imigração legal seja reduzida de 200 mil pessoas para 10 mil por ano; e um fim automático à "unificação familiar"; a expulsão de imigrantes ilegais; e a supensão do Tratado de Schengen, que estabeleceu o fim dos controles de fronteira entre 26 nações da Europa.

O partido também propõe políticas de "preferência nacional" para que os franceses tenham prioridade na seleção para vagas de emprego - apesar de deixar claro que trata de franceses "de todas as origens".

São políticas duras, e obviamente é argumentos fortes contra elas. Mas não são cruéis ou fora da realidade.

O problema do FN é que, não importa o quanto ele tente agora se tornar apresentável publicamente, seu passado é onipresente. O partido não surgiu do nada. Ele é fruto da instável história política da França.

Sua origem está na direita católica e monarquista que nunca aceitou a república.

Essa parte da política francesa fez campanhas antisemitas, lutou contra os comunistas nos anos 1930, foi contra a maçonaria e os judeus, se junto ao regime colaboracionista Vichy durante a Segunda Guerra Mundial, lutou contra a independência da Argélia.

Num país ainda fixado nos horrores cometidos no século passado, essas associações comprometem a extrema direita.

Seus críticos estão corretos quando dizem que o FN tem uma contradição mal resolvida em seu cerne. O partido pode buscar sua popularização, mas suas crenças mais radicais - um retorno revolucionário aos "valores nacionais" - nunca se desfizeram por inteiro.

Le Pen sabe que estas visões ideológicas nacionalistas atraem apenas uma pequena parcela dos franceses.

Então, ela deixou isso para trás e trata de moldar seu apelo ao demonstrar uma preocupação com a realidade atual. Como consequência, mais do que a imigração, seu foco está na economia.

'FRANÇA INVISÍVEL'

Os franceses sabem que seu modelo econômico está fracassando. O pessimismo está em alta. Trabalhadores estão sem emprego. Negócios estão fechados suas portas, engolidos por taxas e regulamentações.

A resposta do FN é essencialmente a mesma da extrema direita - a Europa foi tomada por forças liberais e capitalistas.

Então, é hora da França exercer seu poder soberano e proteger quem lhe conferiu esse poder - o povo. Pelos resultados da eleição, está claro que esses argumentos ressoam profundamente.

De acordo com o geógrafo social Christophe Guilluy, há uma nova divisão nacional na França: entre os "metropolitanos" e a "periferia". Os eleitores do FN estão na "periferia".

São pessoas do campo, de cidades pequenas e dos distantes subúrbios residenciais de cidades como Paris.

Cada vez mais, aqueles que vivem nas cidades, diz Guilluy, são trabalhadores liberais e abonados e os imigrantes: duas classes que se beneficiam da globalização.

Na periferia, estão os perdedores - pessoas com renda modesta que "não estão mais integradas economicamente, socialmente e culturalmente na vida da nação". E eles formam 65% da população.

"Ao contrário do que a elite segue dizendo a eles, os franceses tem uma ideia bem clara do que aconteceu na sociedade francesa, porque eles vivenciam isso", afirma Guilluy.

"Por 30 anos, a mesma mensagem vem sendo repetida - que eles se beneficiarão com a globalização e o multiculturalismo. Mas isso não ocorre. Sua análise é racional, relevante e, acima de tudo, é a visão da maioria."

Le Pen personifica os sentimentos dessa "França invisível". Eles a vêem como uma deles.

Agora, a levaram à vitória na Europa. Mas podem levá-la mais longe, ao poder em Paris?

EM RUÍNAS

Até agora, tudo conspira para que isso seja possível.

Os socialistas nunca foram tão desprezados. As repetidas promessas do presidente François Hollande se revelaram um discurso vazio.

Ele está um pouco à esquerda, um pouco à direita, e não satisfaz a ninguém. Enquanto isso, os índices econômicos se tornam mais e mais assustadores.

O partido UMP, de centro-direita, deveria estar colhendo os frutos desta situação, mas em vez disso está se autoimplodindo. Seus líderes se odeiam, e mais um escândalo financeiro ameaça seu salvador Nicolas Sarkozy.

É como escreveu o colunista Gerard Courtois no jornal Le Monde nesta semana: "Diante da esquerda que se encontra em ruínas e do campo minado que é a direita...ser o único partido que não é associado com a administração do país é também ser o único que não está desacreditado por seus fracassos".

"Nesse clima estarrecedor, a inexperiência do FN é uma vantagem, sua virgindade, um atrativo."

Em outras palavras - não ache que as eleições europeias são o auge do FN.

Por diversas vezes, vozes experientes e sábias disseram que o FN não chegaria além de determinado ponto. Por diversas vezes, elas estavam erradas.


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