Folha de S. Paulo


Saiu no NP

Há 25 anos, vereador sugeriu construção de 'putódromo' em SP

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Ilustração publicada no jornal
Ilustração publicada no jornal "Notícias Populares" em 4 de dezembro de 1992

No dia 4 de dezembro de 1992, o "Notícias Populares" trouxe reportagem sobre um projeto inusitado do vereador Zé Índio (PMBD), que visava a construção de uma espécie de zona legalizada de sexo, onde prostitutas e travestis teriam uma carteirinha de identificação e atestado médico contra doenças.

Chamada pelo "Notícias Populares" de "putódromo", a nova zona do sexo foi idealizada com o objetivo de cessar a prostituição nas ruas de São Paulo, principalmente em locais residenciais. "A ideia é tirar as prostitutas e travestis dos bairros residenciais. Recebi muitas reclamações de moradores", disse o autor do projeto, cujo texto seria apresentado na semana seguinte na Câmara.

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Manchete do jornal
Manchete do jornal "Notícias Populares" publicada em 4 de dezembro de 1992

O assessor do vereador, Nelson Valente, disse que o futuro prostíbulo deveria ser construído dentro do Sambódromo do Anhembi, com pequenas casinhas com quarto e banheiro. Segundo Valente, o novo local de prazer contaria ainda com policiamento, médicos e assistentes sociais. "O Sambódromo é o lugar ideal, longe das residências e dentro da cidade. As casinhas seriam construídas atrás das arquibancadas e as prostitutas e os travestis poderiam negociar na passarela", contou o assessor.

Zé Índio, porém, descartou essa possibilidade. "Sou o autor do projeto e não quero que algo assim tenha qualquer ligação com o Sambódromo. Essa área deve ser criada em lugares afastados da cidade", argumentou o vereador.

O funcionamento do "putódromo", segundo informou o "NP", seria simples: "...o cara chaga lá, não paga pra entrar e escolhe a mulher ou o 'traveco'. Depois, os dois vão para uma das casinhas para transar".

PROSTITUTAS APROVARAM O PROJETO

A reportagem do "Notícias Populares" saiu às ruas para colher depoimentos de prostitutas sobre o novo prostíbulo. "Seria muito bom esse 'putódromo'. Um lugar certo, fora do comércio, onde o homem pudesse ir sem a família", disse Rose, 25, que fazia ponto na avenida São João, no centro de São Paulo, e que estava nas ruas havia 15 anos.

Tereza, uma meretriz de 32 anos, discordou da colega de profissão. "Pra mim, é um lixo. Eu não gosto desse tipo de zona", disse a moça, que prefere ficar na avenina. "Todo mundo sabe que eu sou puta, pra que vou esconder?", completou.

Vidal Cavalcante - 3.jan.1990/Folhapress
O vereador Zé Índio (PMDB) em frente à Câmara Municipal de São Paulo
O vereador Zé Índio (PMDB) em frente à Câmara Municipal de São Paulo

Uma ex-prostituta de 20 anos, que não quis se identificar, disse que ficar na rua "é muito perigoso". "Eu fiquei pouco tempo na zona, foram só dois anos". Com casamento marcado, ela concordou com o projeto do vereador ao dizer que "prostituição num lugar fechado é muito melhor do que na rua". Mas aconselhou que todo mundo deveria abandonar a profissão.

Um dia antes da publicação da reportagem, um grupo de moradores dos bairros de Higienópolis, Butantã e Moema, regiões com grandes índices de prostituição, reuniram-se para discutir o assunto. "Nós queremos que principalmente os travestis deixem as portas de nossas casas", disse o morador de um dos bairros, que não quis se identificar.

SAMBISTAS E MORADORES DE PERUS REPUDIAM 'PUTÓDROMO'

Após reclamações de sambistas, que repudiaram a ideia da construção do ´putódromo' no Sambódromo do Anhembi, o vereador Zé Índio, que também era contrário à construção naquele local, ao apresentar o projeto na Câmara, sugeriu que o prostíbulo fosse erguido no bairro de Perus (zona Oeste de São Paulo), o que gerou a revolta da população daquela região.

Em 13 de dezembro, o "Notícias Populares" destacou a ira dos moradores, que organizaram protestos em repúdio à escolha do bairro. "É uma falta de respeito com a gente", disse a dona de casa Lautelina Marcos Araújo, 48.

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Manchete do
Manchete do "Notícias Populares" publicada em 13 de dezembro de 1992

"Não discriminamos as prostitutas, elas mesmas não querem vir pra cá", disse à época Luzia Maria Honorato, 38, secretária da Sociedade Amigos do Bairro.

Para o presidente do Movimento em Prol da Dignidade e Moralização de Perus, José Roberto Fernandes, 39, o vereador Zé Índio "nem sabe onde fica o bairro". "Ele nunca esteve aqui. Como as escolas de samba chiaram, ele está querendo mandar a zona pra cá", esbravejou Fernandes. "Entregaremos um abaixo-assinado com 10 mil assinaturas", afirmou Luzia Honorato.


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