Folha de S. Paulo


Saiu no NP

Há 35 anos, Barros de Alencar disse que passou fome antes de bater Globo, Band e SBT juntas

1985/Folhapress
Barros de Alencar em seu programa homônimo, exibido pela TV Record nos anos 1980
Barros de Alencar em seu programa homônimo, exibido pela TV Record nos anos 1980

A seção "Saiu no NP" desta terça-feira (21) resgata entrevista com o cantor, compositor, radialista e apresentador Barros de Alencar, um dos ícones do rádio e da TV brasileira durante os anos 1970 e 1980.

Em seu programa homônimo, apresentado nas manhãs de sábado na TV Record ao longo dos anos 1980, Barros de Alencar imperou na TV ao bater Globo, Bandeirantes e SBT juntas. O sucesso no ibope levou o apresentador a fazer uma cirurgia plástica para, segundo ele, melhorar a sua imagem na televisão, o que foi assumido por ele nesta entrevista.

Julio Vilela - 16.ago.1994/Folhapress/Julio Vilela - 16.ago.1994/Folhapress
O radialista e apresentador de TV, Barros de Alencar, em sua casa em São Paulo
O radialista e apresentador de TV, Barros de Alencar, em sua casa em São Paulo

Cristóvão Barros de Alencar (seu nome de batismo) nasceu em 1932, na cidade de Uiraúna (PB). Depois de trabalhar como escritor de novelas infantis e locutor de notícias em rádios da Paraíba e em capitais como Fortaleza (CE) e Recife (PE), ele decidiu tentar a fama em São Paulo no início dos anos 1960. Na época, disse ter passado fome e dormido em bancos de praças na capital paulista. Mas conseguiu passar pelas rádios Tupi, Record e América. E, na TV, foi apresentador na Bandeirantes, na Record e na CNT/Gazeta.

Ao "NP" o apresentador disse ter tentado a vida como ator, mas, conforme revelou, "nada deu certo". Já a tentativa como cantor começou em 1966, com o compacto homônimo contendo as músicas "Não Vá Embora" e "Agora Sim". Em 1980, ostentou um disco de ouro com a canção "A Primeira Carta", lançada naquele ano.

Barros de Alencar morreu há cinco meses, na madrugada de 5 de junho de 2017, aos 84 anos, durante internação sob circunstâncias não reveladas. O corpo do radialista foi enterrado no Cemitério Jardim Primavera, em Guarulhos (Grande São Paulo).

Leia entrevista publicada no jornal "Notícias Populares" há 35 anos, no dia 21 de novembro de 1982

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"FAÇO RÁDIO E TV PARA O POVO"

Ele veio da Paraíba disposto a conseguir sucesso em São Paulo, sonho de muitos, que poucos realizam. Mas Barros de Alencar obteve realmente o que queria: uma enorme audiência no rádio e, mais recentemente, na televisão. De que maneira? É simples: buscando um estilo próprio, descontraído e original, sem a impostação característica dos locutores da época –que anunciaram uma música cheia de humor como se estivessem lendo um aviso fúnebre– e com simplicidade.

Afinal, seu objetivo sempre foi atingir o povo. Para isso, enfrentou uma batalha dura, passou fome, dormiu em banco de jardim, trabalhou como figurante em TV e acabou atingindo o seu objetivo, pois atualmente dá mais ibope nas manhã de sábado, pela TV Record, do que a Globo, a Bandeirantes e a TVS juntas, chegando a ser visto por mais de 1 milhão de telespectadores só aqui em São Paulo. Isso, inclusive, gerou uma grande preocupação com sua imagem e o levou a fazer uma cirurgia plástica que, depois de muito desmentida, acabou sendo assumida.

Acervo UH/Folhapress
O cantor, radialista e apresentador de TV, Barros de Alencar, nos anos 1970
O cantor, radialista e apresentador de TV, Barros de Alencar, nos anos 1970

"Na Paraíba eu fazia sucesso com novelas infantis"

Barros de Alencar chegou a São Paulo há mais de 15 anos, e, depois de muita luta, e necessidade, conseguiu sua primeira oportunidade na antiga rádio Cultural.

"Mas o começo não foi nada fácil, porque eu encontrei muitas barreiras para impor meu estilo (exatamente como faço até hoje), numa época em que o padrão aceito pelas emissoras era aquele locutor de voz empossada, que anunciava uma música cheia de humor do Lamartine Babo, como se estivesse lendo um aviso fúnebre. Tudo o que consegui na minha carreira, aqui em São Paulo, devo à confiança no meu próprio trabalho e ao meu saudoso amigo Kalil Filho, pois foi justamente ele quem me deu a primeira oportunidade frente a um microfone".

Lá na Paraíba, Barros já tinha uma considerável experiência radiofônica, fazendo textos comerciais, escrevendo noticiário jornalístico e, principalmente, escrevendo novelas infantis, de grande sucesso local:

"Até hoje eu lembro com saudade aquele tempo, porque conseguia uma comunicação muito grande com as crianças. E agradar a criança é uma coisa muito difícil, pois ela não tem papas na língua. Dentro de sua pureza e falta de malícia, sintetiza a essência da crítica, pois fala sem ressentimentos, sem nenhum partidarismo. Então, era muito gostoso ser abordado na rua por um garoto e ser elogiado.

1985/Folhapress
Barros de Alencar durante apresentação de seu programa homônimo, na TV Record
Barros de Alencar durante apresentação de seu programa homônimo, na TV Record

"Em São Paulo, passei fome e dormi em banco de jardim"

Toda essa intimidade com o rádio o ajudou muito quando resolveu vir para São Paulo tentar a sorte:

"Quando tive uma chance, pude mostrar que um estúdio e um microfone tinham muito pouco segredo para mim".

Mas até que pintasse essa chance, Barros passou por maus momentos:

"Pois é, teve todo aquele lance de dormir em praça, em banco duro de jardim, tive até que trabalhar como extra de televisão para poder sobreviver. Mas procurei fazer tudo com dignidade, porque recebi uma formação muito sólida de meus pais e isso é fundamental para equilibrar a cabeça de uma pessoa que, de repente, se vê longe da sopinha da mamãe, tem que lavar roupa e, pior ainda, sabe que, se não tem grana para almoçar e jantar, vai dormir com fome mesmo".

A oportunidade dada por Kalil Filho e, mais tarde, o apoio irrestrito de Hélio Ribeiro geraram um campeão de audiência no rádio, e Barros fez e faz sucesso em todas as emissoras em que trabalha, dos áureos tempos da Tupi à ótima fase atual da Record:

" Sempre foi preciso uma grande dose de profissionalismo para as coisas andarem sempre nos eixos. Por exemplo, desde que me sobrou o primeiro dinheiro como homem de rádio, a primeira providência que tomei foi contratar uma equipe de pesquisa, num tempo em que pouquíssimas pessoas davam valor a esse tipo de coisa. Acredito que foi assim, sondando o gosto popular de porta em porta, pesquisando e analisando cuidadosamente as tendências do que o povo gostaria de ouvir, que consegui o meu próprio espaço no rádio".

"O Fantástico é o programa do Gil Gomes enfeitado com lamê"

"Agora, transferindo essa experiência para a TV, o esquema continua dando certo, os pontos que estamos conseguindo estão aí para provar o que digo. Afinal, não é qualquer esquema que consegue alcançar hoje 23 pontos de audiência, o que corresponde a 1 milhão e 250 mil pessoas vendo o seu programa, só em São Paulo. Nesses resultados, foi fundamental para mim o apoio do meu produtor, Antonio Mojica, uma pessoa entusiasmada, cheia de ideias e que, como eu, quer fazer televisão para as massas".

E ser visto por mais de 1 milhão de pessoas mexeu com a vaidade pessoal de Barros de Alencar. Ele quis ter uma boa imagem na TV, já que no rádio sempre contou com sua boa voz. Daí, cirurgia plástica corretiva de pálpebras foi a solução encontrada. Como resultado, alguns anos menos e uma fisionomia mais leve. Tudo com o objetivo de fortalecer cada vez mais a aceitação pelo povo: "Quem não quer fazer uma televisão para as massas? A Globo? (risadas). Pra mim, o "Fantástico não passa de um programa como o de Gil Gomes, só que orquestrado e com lamê. O tal de 'Caso Verdade' também não passa de um grosso mundo cão, só que cheio de chantilly e todo o acrículo possível e imaginável".


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