Folha de S. Paulo


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Vampiro aterroriza Osasco e foge de confronto com Zé do Caixão

Em 13 junho de 1973, o "Notícias Populares" desafiava a credibilidade do jornalismo brasileiro com uma discreta manchete no topo da primeira página: "Vampiro de Osasco mata e bebe sangue de onze cachorros". O jornal veiculava a denúncia de um morador do Jardim Helena Maria, que disse ter encontrado seu cachorro morto, com as veias do pescoço expostas e sem uma gota de sangue.

O caso foi levado à polícia e logo outros moradores do bairro afirmaram ter encontrado seus animais em condições semelhantes. O veterinário convocado para realizar a "perícia criminal" afirmou à reportagem: "Na minha carreira, nunca vi algo semelhante".

O morador disse também que viu seu cão ser dominado por "um vulto muito grande", que fugiu tossindo após o crime. Verdade ou sensacionalismo, o fato é que a notícia teve grande impacto sobre os moradores de Osasco, na Grande São Paulo, que passaram a recolher as crianças e os animais de estimação assim que começava a escurecer. Crucifixos foram espalhados por toda a parte, como pede a crendice.

Divulgação
O 'NP' divulgou o retrato falado do vampiro de Osasco em 16 de junho de 1973
O 'NP' divulgou o retrato falado do vampiro de Osasco em 16 de junho de 1973

Um relato mais apurado da aparência do monstro foi divulgado em reportagem do dia 19 de junho, que trazia o depoimento de outro morador do Jardim Helena Maria, o qual, durante a madrugada, ouviu um barulho em seu quintal e saiu para verificar.

Deparou-se com "um bicho de grandes proporções, treinado para matar e beber o sangue dos cachorros". O vampiro –ou lobisomem?– "se afastou do local correndo como um enorme cão, de formas volumosas e orelhas grandes".

À medida que o boato crescia, aumentavam também as vendas de crucifixos e dentaduras de brinquedo, bem como a audiência de filmes sobre o Drácula e Satanás. Alguns levantaram a hipótese de que o vampiro era, na verdade, um açougueiro louco que roubava o sangue dos cachorros para fazer chouriço.

A prova da existência do vampiro veio nas páginas de 21 de junho, quando um cobrador de ônibus contou à reportagem sua tentativa de diálogo com o monstro, que tinha até sotaque americano. De acordo com o rapaz, ele voltava para casa de madrugada quando viu um vulto numa rua do Jardim Roberto tentando enlaçar um cachorro que passava.

O "homem branco, meio forte" tinha uma enorme seringa nas mãos. O cobrador tentou diálogo, mas o vampiro não entendeu e, resmungando, entrou em um jipe estacionado na escuridão e fugiu. Na manhã seguinte, um morador do Jardim Roberto foi à polícia queixar-se do assassinato de seu cão durante a noite.

A polícia tentou acalmar os moradores apresentando-lhes uma jaguatirica enjaulada, que seria a responsável pelo degolamento dos animais de Osasco. A população não se convenceu, e a jaguatirica foi inocentada depois que uma mocinha disse ter sido perseguida pelo vampiro quando saía para o trabalho, nas imediações do Jardim Veloso.

A garota –"cabelos longos, olhos pretos"– caminhava para o ponto de ônibus quando encontrou o vampiro num terreno baldio. O "bicho enorme" se levantou e saiu atrás dela, que só escapou porque correu mais rápido e buscou refúgio no bar do seu Natalino. "Ele parece um homem-macaco", relatou ela ao "NP".

A brincadeira, porém, não podia durar para sempre. Preocupado com o desespero dos moradores, o jornal decidiu convocar o vampiro mais famoso do Brasil para desbancar o rival de Osasco. Na edição de 24 de junho, Zé do Caixão garantia: "O vampiro de Osasco não existe. O único Drácula brasileiro sou eu. E não sou doido de beber sangue: bebo vinho do bom".

24.jun.73/Folhapress
Zé do Caixão se coloca como o salvador durante a expectativa pela captura do vampiro de Osasco
Zé do Caixão se coloca como o salvador durante a expectativa pela captura do vampiro de Osasco

O personagem do cineasta José Mojica Marins liderou uma procissão na cidade rumo ao cemitério para enterrar de vez a lenda. A multidão entoava marchinhas adaptadas: "Você pensa que o vampiro existe, vampiro não existe não. / Vampiro é de mentirinha, quem diz é o Zé do Caixão!". Na porta do cemitério, o grupo levantou os braços e expulsou simbolicamente o monstro da cidade.

Para Zé do Caixão, tudo não passou de um mal-entendido: a jaguatirica matou uns cães e "alguma pessoa, apaixonada pelo sensacionalismo, aproveitou a 'onda' e vestiu uma máscara carnavalesca". Para os populares, a polícia deveria parar de procurar vampiro e preocupar-se mesmo é com os assaltantes, "que existem em São Paulo toda".


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