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Há 40 anos, professor de Barretos desvendou a árvore dos milagres

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Destaque da primeira página do Notícias Populares de 23 de outubro de 1977. (Foto: Folhapress)
Destaque da primeira página do "Notícias Populares" de 23 de outubro de 1977

O "Notícias Populares" de 23 de outubro de 1977 trouxe o caso de uma árvore da espécie sicupira que ganhou a fama de ser milagrosa, no bairro Celina, na cidade de Barretos (SP).

O galho mais alto dela, em que os curiosos não alcançavam, estava coberto por uma massa parecida com gelo, de onde caiam os pingos. A população vizinha, estava bastante assustada e procurando uma explicação para o estranho fenômeno.

No quintal do senhor José Luiz da Conceição pairava uma grande dúvida sobre o fato. Desde o descobrimento do fenômeno, ele não conseguia dormir.

Zé Luiz procurava na multidão que foi conhecer a "sicupira do gelo" pessoas aparentemente esclarecidas que poderiam dar uma explicação ao fato. "Não tenho mais sossego. Uns dizem que isso aí é obra de macumbeiros. Outros que a árvore é milagrosa; eles até levam a água para benzeção e para curar doenças. Sabe, eu tenho uma resposta para isso, mas é melhor nem comentar, pois não é nada bom. O certo é que a árvore está aí e soltando água fria."

Um assíduo frequentador de terreiros de umbanda esclareceu que "há muito tempo atrás alguém morreu de sede por aqueles lados e agora a água está saindo da árvore".

O local virou ponto de atração. Dia e noite pessoas faziam fila para colher com uma bacia o líquido "divino" para curar doenças e livrarem-se de maus espíritos. O sr. Zé Luiz não permitia que ninguém se aproximasse do galho.

Algumas pessoas sugeriram a ele que cobrasse ingressos a quem quisesse conhecer a árvore ou colher seu líquido. "Não, meu filho. Se é verdade que esta água é milagrosa mesmo, as forças são de Deus e eu tive apenas a sorte da árvore ter nascido no meu quintal", respondeu enfaticamente o sr. Zé Luiz.

Mas ele não tinha sossego um minuto sequer com as opiniões diversas das pessoas que visitavam a árvore. Uns diziam que o mistério tinha relação com o diabo. Outros acreditavam que a água que tem caído do galho era divina. Houve quem levou para casa folhas e cascas do tronco para produzir chá medicinal.

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Destaque da primeira página do Notícias Populares de 23 de outubro de 1977. (Foto: Folhapress)
Em 23 de outubro de 1977, a árvore milagrosa de Barretos foi destaque no "Notícias Populares"

Especialistas que visitaram a sicupira, embora não acreditem no sobrenatural, não encontraram uma resposta para o fato. Limitavam-se a dizer que o fenômeno é da natureza, não tendo esta água forças divinas ou coisa parecida.

O professor Rael Vidal, da cadeira de botânica e zoologia da Faculdade de Ciência e Tecnologia de Barretos, foi ao local para colher amostras da água e do galho da sicupira para uma análise em laboratório.

No dia seguinte o jornal publicou o parecer científico do professor, antes que o mal acontecesse envolvendo parte da população local.

"Aquele fenômeno bastante comum nesta época do ano em árvores daquela espécie, se deve a um tipo de cigarrinha conhecida como 'cercopídeo' que tem o hábito de depositar seus ovos em ramos e folhas. Todos os animais desta espécie possuem este hábito, por se tratar de insetos fitófagos. Após algum tempo o ovo se desenvolve e se torna uma ninfa. Elas têm o corpo mole, e para se protegerem do calor, se envolvem em uma de espuma branca secretada pela região anal e que é misturada a uma substância segregada por glândulas existentes em segmentos abdominais. Esta espuma tem a aparência de cuspe e costuma ser abundante, chegando a gotejar como se fosse chuva dos galhos das árvores. Entretanto, o fenômeno desaparece totalmente assim que os insetos completam seu desenvolvimento."

Apesar de toda esta descrição lógica e científica, muitos continuaram achando que a árvore era mesmo milagrosa e prosseguiam visitando e adorando a sicupira do Zé da Conceição.

Assim, vendedores ambulantes aproveitavam a movimentação das pessoas para vender sorvete, cachorro quente e frutas, transformando a Vila Celina num ponto turístico da cidade.

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Reportagem da página 5, do Notícias Populares de 24 de outubro de 1977. (Foto: Folhapress)
Reportagem da página 5 do "Notícias Populares" de 24 de outubro de 1977 explica a árvore milagrosa

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