Folha de S. Paulo


SAIU NO NP

Homem Avestruz ganha aposta, mas perde vida com bala de 38

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O baiano Isaías Braga dos Santos, o Homem-Avestruz, engole garrafa de refrigerante nos anos 80
O baiano Isaías Braga dos Santos, o Homem-Avestruz, engole garrafa de refrigerante nos anos 80

O baiano Isaías Braga dos Santos poderia ter sido apenas mais um migrante nordestino que veio para São Paulo em busca de uma oportunidade, mas um dom especial fez com que o jovem rapaz de apenas 20 anos se destacasse no meio da multidão: ele podia engolir objetos como amortecedores, bolas de bilhar, cadeados e garrafas como se fossem simples bolachas ou chocolates.

O "Saiu no NP" conta agora a história do "Homem Avestruz", um raro espécime que ficou famoso em meio a massa ao frequentar o programa de talentos do apresentador e dono do SBT, Sílvio Santos, em 1985.

No dia 23 de janeiro de 1985, o jornal "Notícias Populares" estampou a seguinte manchete em sua capa: "Homem-Avestruz engole de tudo". Na edição, a jornalista Sônia Abrão trouxe detalhes sobre a vida de Isaías, um pobre garoto que aos dez anos tentou se matar ao engolir 60 lâminas de giletes.

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Em 23 de janeiro de 1985, o
Em 23 de janeiro de 1985, o "Notícias Populares" destaca o sucesso do Homem Avestruz

O fracasso de sua tentativa de suicídio trouxe à tona sua capacidade de engolir e cuspir de volta objetos de diferentes tamanhos e formatos, intactos ou desmontados, dependendo apenas de sua vontade e, o mais intrigante, sem se machucar. "Naquela época eu sonhei com são Isaías, meu santo protetor, que me mandou fazer tudo isso que nada aconteceria", explicou o "engolidor profissional".

Isaías foi descoberto na Praça da Sé, no centro de São Paulo, onde uma multidão se aglomerava para ver suas apresentações. Foi assim que ele conheceu o empresário Orlando Silva, que ficou impressionado ao ter seus óculos engolidos pelo rapaz.

Agora empresariado, o jovem foi levado até a equipe de Flávio Cavalcanti, que na época era apresentador do SBT. Logo após entrar na sala do produtor-geral Carlos Franco, Isaías engoliu todas as canetas que estavam sobre a mesa, tudo isso antes de ser apresentado. Seu "cartão de visita" o colocou também no "Show de Calouros" de Sílvio Santos.

Na ocasião, uma equipe médica examinou o baiano e constatou apenas que ele tinha um estômago muito grande e que o poder de cicatrização de seu corpo era impressionante. Cortes ou queimaduras desapareciam em menos de 24 horas. Nada que explicasse as habilidades de engolir um prumo de pedreiro e diversas bolas de bilhar e cuspir de volta uma a uma e na ordem de cores que fosse solicitada.

Entre outras bizarrices, Isaías era capaz de beber gasolina como se fosse água, engolir uma garrafa de refrigerante fechada e abrir a tampinha em seu estômago. Mas seu truque mais excêntrico dentre todos era o de engolir um giz e expeli-lo pelo pênis. Claro que este último número não era exibido em rede nacional.

O sucesso do "Homem-Avestruz", entretanto, foi embora tão rápido quanto chegou. Após algumas apresentações na TV e uma quase ida aos EUA, o interesse pelo "dom" do rapaz diminuiu, e ele voltou a se apresentar pelas praças públicas.

Após meses longe das páginas do "NP", o baiano voltava a ser destaque na edição de 18 de julho de 1985: "Homem Avestruz morre engolindo bala de 38". Não, não era um número que havia dado errado, e sim o fim da vida do humilde rapaz.

Isaías, que havia mudado para São José do Rio Preto, cidade do interior de São Paulo, na ocasião da tragédia estava acompanhado de seu irmão, Wellington Braga dos Santos.

Durante uma apresentação na praça Dom José Marcondes, localizada próxima da rodoviária, o mineiro de Itapagipe Ironei Ferreira de Faria, desconfiado das habilidades do "Homem Avestruz", propôs uma aposta: 50 mil cruzeiros se Isaías conseguisse engolir uma bola de gude.

Para quem engolia bolas de bilhar, uma bolinha de vidro era dinheiro fácil! Isaías pegou o objeto e sem fazer força o engoliu. Inconformado e achando que havia sido enganado, Ironei fugiu em direção à rodoviária. Desesperado, Isaías começou a persegui-lo.

Depois de algum tempo de perseguição, o baiano alcançou o fugitivo e começou a agredi-lo com socos e pontapés. Foi aí que Ironei sacou seu revolver calibre 38 e disparou quatro tiros.

Wellington tentou correr para impedir que seu irmão alcançasse o outro homem, mas, quando chegou, já era tarde demais... Como a família não tinha dinheiro para pagar o translado do corpo de volta à Bahia, o rapaz acabou enterrado em uma cova rasa do cemitério São João Batista, em São José do Rio Preto (SP), como se fosse um indigente.

O assassino, preso no 1º Distrito Policial da cidade, tentou alegar legítima defesa: "Procurei me safar (sic). O irmão dele vinha atrás. Eles iam me arrebentar", disse Ironei, que ainda afirmou veementemente: "Tenho certeza de que ele me enganou".

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Em 18 de julho de 1985, o jornal publicou a notícia da morte do Homem Avestruz, que
Em 18 de julho de 1985, o jornal publicou a notícia da morte do Homem Avestruz, que "ganhou a aposta, mas perdeu a vida"

Mesmo morto, o "Homem Avestruz" passou a intrigar ainda mais as pessoas, já que nenhum médico conseguiu comprovar como ele conseguia engolir e expelir, com facilidade, os objetos que engolia. Seria ele um farsante, como achava o seu algoz?

Em 19 de julho de 1985, o "Notícias Populares" publicou em sua capa: "Homem Avestruz tinha um pacto com o diabo". Em suas páginas internas, o jornal trazia o relato de estudiosos do espiritismo, que garantiam que Isaías morreu aos dez anos de idade –por causa do episódio das giletes– e, em questão de segundos, seu corpo foi possuído pela entidade do mal. "Basta ver os teipes de TV, ele não possuía raciocínio lógico. Ele nunca passou de um morto-vivo", disse um estudioso da doutrina espírita que não quis se identificar.

O lavrador Ironei Ferreira de Faria (na época com 27 anos) conseguiu, por meio de seu advogado, a benesse de acompanhar o desenrolar do processo em liberdade. Porém, com medo de que algum familiar de Isaías estivesse sedento por vingança, o mineiro de Itapagipe "tomou chá de sumiço", apesar de seu defensor garantir que ele compareceria sempre que fosse solicitado pela Justiça.

O jornal não trouxe mais informações sobre o julgamento, mas na edição do dia 26 de julho publicou a seguinte manchete: "Violaram 3 túmulos na caça ao Homem Avestruz". De acordo com a polícia, seguidores de alguma seita ligada ao diabo estariam à procura do corpo de Isaías para usá-lo, possivelmente, em rituais de magia negra. Para o delegado responsável pelo caso, não se tratavam de bandidos comuns, em busca de pertences de valor, já que as covas eram de pessoas de origem simples. Os "caçadores" não obtiveram êxito em sua busca.


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