Folha de S. Paulo


8 pontos para entender o Tratado Transpacífico, acordo entre EUA, Japão e mais dez países

Estados Unidos, Japão e 10 outras economias da bacia do Pacífico, representando cerca de 40% da produção mundial, fecharam nesta segunda-feira (5) um acordo de comércio internacional, o maior em duas décadas.

O acordo ainda deve passar por discussão no Congresso americano e Parlamentos de outros países envolvidos.

Eis oito coisas que vale a pena saber sobre o Tratado Transpacífico (TTP na sigla em inglês):

Países inclusos na Parceria Transpacífico

1) TTP é tanto sobre geopolítica quanto sobre comércio

Muitas vezes descrita como "espinha dorsal econômica" da "virada" diplomática do presidente Barack Obama para a Ásia, o objetivo para os Estados Unidos e Japão é ficarem à frente da China, que não participa da TTP, e criar uma zona econômica na bacia do Pacífico capaz de contrabalançar o peso econômico de Pequim na região.

Também envolve escrever as regras da economia do século 21 para toda espécie de coisa, de fluxos de dados internacionais a como empresas estatais devem operar em termos de competição internacional.

"Podemos promover o crescimento por meio de um comércio internacional que satisfaça um novo padrão", disse Obama em discurso na Assembleia Geral da ONU, há uma semana.

"E é isso que estamos fazendo por meio do Tratado Transpacífico —um acordo comercial que abarca quase 40% da economia mundial, um acordo que abrirá mercados enquanto protege os direitos dos trabalhadores e protege o meio ambiente, e permite desenvolvimento sustentável."

2) De fora da parceria, Brasil pode perder mercados

De fora do tratado, o Brasil pode perder espaço para seus produtos. "O Brasil fez um grande esforço recentemente para atender o mercado asiático de carne de frango, mas agora esses países podem começar a focar nas trocas entre si", diz José Luiz Pimenta, professor da ESPM especialista em comércio exterior.

Segundo Pimenta, o Brasil tem fechado acordos comerciais com mercados menores, como Colômbia e México. O foco tem sido principalmente na derrubada de barreiras tarifárias, em detrimento da adoção de normas comuns, que é o foco do TTP.

Logo após a divulgação da notícia sobre o fechamento do acordo sair, a agência Reuters publicou a informação de que a Austrália receberá uma cota adicional de 65 mil toneladas anuais para exportar açúcar para os Estados Unidos.

É um exemplo do tipo de concorrência que o Brasil poderá enfrentar, apesar de o espaço aberto pela Austrália ser muito pequeno e o mercado americano, irrelevante para as cerca de 22 milhões de toneladas de açúcar exportadas pelo Brasil em 2014.

3) China não faz parte da parceria. Mas pode entrar algum dia

Embora o TTP tenha sido discutida no passado como uma manobra norte-americana para conter a China, a posição de Washington se abrandou nos últimos anos.

A China anunciou que observa com atenção o desenvolvimento do TTP, e está envolvida em negociações comerciais rivais. Muita gente no setor de negócios dos Estados Unidos sente que a verdadeira promessa do TTP está em se abrir à adesão de outros países, especialmente a China.

Os membros atuais são Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Mas economias asiáticas como a Coreia do Sul, Taiwan e Filipinas, e sul-americanas como a Colômbia, já estão na fila para aderir.

4) Duas das três maiores economias estão no acordo

Japão e Estados Unidos jamais haviam assinado um acordo bilateral de comércio. Mas quando o Japão passou a participar das negociações do TTP, em 2013, isso conduziu a conversações separadas sobre toda forma de comércio, de carros a carne bovina, arroz e carne de porco.

O resultado pode ser, na prática, um acordo comercial entre duas das três maiores economias mundiais, que com o tempo provavelmente levaria à derrubada das barreiras comerciais entre os dois países.

O acordo também pode integrar mais a economia e as cadeias de suprimento do Japão às da América do Norte. Uma das últimas questões em disputa nas negociações eram as regras de conteúdo local para automóveis e autopeças.

A questão opunha fabricantes de autopeças no México e Canadá, que prosperaram sob o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), assinado 20 anos atrás, às montadoras de automóveis japonesas, que a despeito de uma presença significativa na América do Norte continuam a manter cadeias de suprimento que se estendem a países excluídos do TTP, como a China e a Tailândia.

5) Acordo pode ser decisivo para o primeiro-ministro japonês

Para tentar garantir o TTP, o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe se viu forçado a encarar agentes poderosos na política japonesa, entre os quais o lobby da agricultura. Mas ele argumentou repetidamente que isso ajudaria o Japão a empreender reformas estruturais muito necessárias, que estimulariam o potencial de crescimento da economia.

Isso é certamente algo de que o primeiro-ministro precisa. O Produto Interno Bruto (PIB) do Japão se contraiu em ritmo anualizado de 1,2% no segundo trimestre deste ano, e dados sugerem que o terceiro trimestre não será muito melhor, o que colocará o Japão tecnicamente em recessão.

Saul Loeb/AFP
O primeiro-ministro japonês Shinzo Abe fala durante uma sessão do Congresso Americano
O primeiro-ministro japonês Shinzo Abe fala durante uma sessão do Congresso Americano

6) O TTP é controvertida em muitos países membros

Na campanha eleitoral em curso no Canadá, as negociações do TTP são um dos principais pontos de debate econômico. Isso importa. A disputa está mais ou menos empatada entre três partidos, no momento. E Tom Mulcair, o líder do Novo Partido Democrático (NPD), promete que abandonará o TTP caso seu partido vença em 19 de outubro.

"O NPD, ao formar seu governo em 19 de novembro, não acatará o acordo secreto que [o primeiro-ministro] Stephen Harper vem negociando", ele disse.

Mas o Canadá está longe de ser o único lugar em que o TTP provoca controvérsia.

Nos Estados Unidos, Austrália e outros países, oponentes do acordo estão mobilizados contra uma cláusula que permite que empresas estrangeiras apelem de decisões governamentais a painéis internacionais de arbitragem.

Na Austrália, a questão é especialmente sensível porque a gigante do tabaco Philip Morris abriu um processo contra o governo do país com base em um obscuro tratado de investimento assinado com Hong Kong, quando Camberra ordenou a adoção de maços de cigarro sem marca.

Os Estados Unidos concordaram em excluir o tabaco e os regulamentos relacionados à saúde pública do sistema de disputas de investimento do TTP. Mas essa está longe de ser a única controvérsia.

7) O TTP está só flertando com a questão da manipulação cambial

Entre as questões que geraram mais controvérsia nos Estados Unidos está a do câmbio e a de suas desvalorizações para fins competitivos.

Encarando com cautela o iene fraco e a concorrência da Toyota e outras montadoras, a indústria automobilística norte-americana e seus defensores no Congresso vêm pressionando pela inclusão de uma cláusula que proíba manipulações de câmbio.

Não é provável que ela seja incluída formalmente no TTP, cujo documento final deve ser divulgado em um mês. Mas houve sinais de que os países estão trabalhando em uma maneira de tratar da questão em paralelo, ainda que a aplicação prática de quaisquer compromissos quanto a isso seja difícil de fiscalizar.

Nacho Doce - 6.ago.2015/Reuters
A woman holds a giant U.S. $1 banknote and a five reais banknote inside a shop, in the town of Itu, northwest of Sao Paulo, Brazil August 6, 2015. Brazil's 12-month inflation rate rose more than expected in July, to the highest in nearly 12 years, as electricity rates continued to increase sharply. A severe economic downturn and widening corruption scandal that involves dozens of lawmakers has undercut confidence in President Dilma Rousseff's leadership and raised public support for her impeachment just six months into her second term. These political tensions have dragged the Brazilian real to its weakest in more than 12 years against the U.S. dollar and prompted doomsday warnings from big investors. Picture taken August 6, 2015. REUTERS/Nacho Doce ORG XMIT: NAC01
Manipulação de câmbio está em pauta; na imagem, uma mulher segura um 'dólar de Itu'

8) O TTP abre novos padrões ambientais e trabalhistas para acordos comerciais

Desde 2007, os Estados Unidos têm a obrigação legal de incluir discussões de padrões ambientais e trabalhistas em suas negociações comerciais.

Mas o TTP pela primeira vez tornaria esses compromissos compulsórios e seu não cumprimento passível de sanções comerciais.

Muitos ativistas ambientais continuam céticos, mas os Estados Unidos insistem em que o TTP ajudaria a reduzir o tráfico de espécies ameaçadas e a enfrentar outros problemas, como a pesca excessiva por países do TTP.

Se os países não cumprirem seus compromissos, Washington poderia se basear no acordo para cobrá-los.

As novas cláusulas trabalhistas do TTP também poderiam forçar grandes mudanças nas práticas de países como a Malásia e o Vietnã.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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