Folha de S. Paulo


Análise

Voltar atrás no caso da Renca não salva governo de novos desgastes

O presidente Michel Temer preferiu revogar seu decreto que em 22 de agosto extinguiu a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados) do que correr o risco de esse ato ser invalidado na marra pelo Senado. Já estava na pauta de votações da Casa um projeto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para sustar o ato presidencial.

Na semana passada, antes de viajar para a reunião das Nações Unidas em Nova York, Temer foi avisado pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), de que não seria possível protelar indefinidamente a votação da proposta de Rodrigues.

A pressão também veio da Câmara dos Deputados. Três dias após o decreto de extinção da Renca, o deputado Ricardo Trípoli (SP), assinando como líder do PSDB, pediu a revogação do ato de Temer em ofício ao ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Para entender a Renca

O deputado tucano argumentou que a revogação conduziria a uma situação de "fato consumado" que fragilizaria, nos 46.450 km2 da Renca entre os estados do Pará e do Amapá, a proteção estabelecida para as unidades de conservação federais e estaduais sobrepostas parcial ou integralmente à reserva mineral.

Engrossada por artistas e celebridades, a pressão veio também de cientistas. No dia 4, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) afirmou em carta a Temer que a extinção da Renca "não soluciona os impactos negativos da estratégia imediatista de permitir a exploração mineral na região antes protegida".

Mesmo após Temer ter evitado o confronto com o Legislativo e atenuado seu desgaste político com vários segmentos da sociedade, a revogação abrirá um enfrentamento para o governo com o setor da mineração.

As pressões das empresas interessadas na exploração das jazidas da Renca e que haviam levado o Executivo a extinguir a reserva são as mesmas que induziram o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, a defender o polêmico decreto de agosto em um fórum de empresários em Nova York, na semana passada.

Reativada agora, para contragosto das empresas mineradoras que reivindicaram sua extinção, a Renca voltará a proporcionar a proteção ambiental indireta que passou a exercer, desde a criação da reserva mineral no final do regime militar, em 1984, mesmo não sendo uma unidade de conservação.

Com a reabilitação da reserva, a pesquisa para exploração mineral em sua área volta a ser monopólio da União por meio da estatal CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), do MME (Ministério das Minas e Energia).

Como resultado dessa burocracia, dos 421 pedidos de autorização de pesquisa desde a criação da Renca, 272 foram negados e os restantes 149 tiveram homologações de desistência.

A extinção da reserva mineral trouxe também desgastes entre órgãos do próprio governo, especialmente entre o MME e o MMA (Ministério do Meio Ambiente), comandado pelo ministro Sarney Filho (PV-MA).

A apreensão no MMA surgiu em abril, quando o governo anunciou oficialmente sua intenção de acabar com essa reserva mineral. Por meio de portaria no "Diário Oficial da União", o ministro Coelho Filho determinou o indeferimento de todos os requerimentos relativos à Renca pendentes de decisão e divulgou que a proposta de decreto de extinção seria enviada ao presidente.

A notícia alertou o MMA, cujos técnicos rapidamente previram que a extinção da reserva mineral seria uma espécie de "sinal de largada" para a demanda reprimida da exploração na região, onde há jazidas de cobre, ouro, diamante, ferro, cromo, tântalo, estanho, molibdênio, cobalto e nióbio.

Em nota técnica enviada em junho para a Consultoria Jurídica do MMA, quatro dirigentes do ICMBio (Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade) ressaltaram a existência de 8.892 títulos minerários em junho deste ano, de acordo com dados do DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral), do MME. A nota foi enviada para o governo e não teve resposta.

O jornalista MAURÍCIO TUFFANI é editor do site Direto da Ciência.


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