Folha de S. Paulo


Impasse sobre reserva mineral envolve juiz, ministros, PSOL e ambientalistas

Talvez fosse difícil imaginar que o decreto de Temer que extinguiu uma área de reserva mineral na Amazônia, a Renca, acabaria envolvendo dois Ministérios, um juiz federal, o ministro do STF Gilmar Mendes, PSOL, celebridades e ambientalistas –mas todos participam da trama.

"Talvez o governo não tenha avaliado o impacto que uma decisão de liberação de uma área mineral poderia ter na sociedade", afirmou o presidente em exercício Rodrigo Maia (DEM-RJ), enquanto Michel Temer está em Pequim, na China.

Nesta quarta-feira (30), o juiz federal Rolando Spanholo, da 21ª Vara do Distrito Federal, suspendeu o decreto que extingue a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), na Amazônia. Trata-se de uma reserva mineral criada na década de 1980 para tentar preservar recursos estratégicos para o país. Na prática, porém, a reserva teria auxiliado a preservação das unidades de conservação da região, na avaliação de ambientalistas

Para entender a Renca

Para o magistrado, a decisão pelo fim da Renca não poderia ter sido tomada sem apreciação do Congresso, que deveria editar uma lei para alterar a área. A AGU (Advocacia-Geral da União) afirma que vai recorrer da decisão.

Assim, Spanholo suspendeu eventuais atos administrativos com a finalidade de permitir a imediata exploração dos recursos minerais existentes na Renca. A decisão de do juiz foi tomada a partir de uma ação popular.

Além disso, também nesta quarta, o Ministério Público Federal emitiu uma nota técnica, que conclui contra a extinção da reserva. A consequência ambiental seria grave: a área liberada para a mineração seria equivalente ao desmatamento acumulado de quatro anos em toda a Amazônia.

"Dentro da Renca temos hoje apenas 0,33% da área total desmatada, o que configura um cenário extremamente melhor do que o entorno que não possuía a mesma proteção", diz a nota.

A nota técnica afirma ainda que a área desmatada ocorre em áreas nas quais não deveria haver desmatamento, o que seria um indicador da pressão de ocupação na região. "Se essa extensão degradada já está sendo verificada em área sob proteção, a eliminação da Renca provocará um significativo avanço na degradação como já ocorre no entorno."

O MPF cita também a nota técnica do Ministério do Meio Ambiente (MMA), emitida em junho, antes do decreto de extinção da Renca. O MMA, no documento, afirma que a "área é composta por uma floresta densa e exuberante, cujo entorno também está bem preservado."

Ao extinguir por decreto a Renca (Reserva Nacional de Cobre e seus Associados), o presidente Michel Temer (PMDB/RJ) desconsiderou recomendação do Ministério de Meio Ambiente (MMA), que afirmava que a medida poderia provocar um aumento no desmatamento na região. Na semana passada, por nota, Temer afirmou que a "Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente, alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos de água com mercúrio".

O MMA, contudo, diz que a "existência de garimpeiros pequenos e locais não deve servir de argumento para justificar alterações no decreto que acarretem perdas ambientais".

Em um aparente cabo de guerra ministerial, o Ministério de Minas e Energia levou a melhor. "A decisão pela extinção da Renca considerou parecer do Ministério de Minas e Energia, segundo o qual a medida fomentará o aproveitamento racional e sustentável, sob o controle do Estado, do potencial mineral daquela área", afirmou em nota, nesta quarta, a assessoria da presidência.

Datada de 20 de junho, mais de um mês antes do primeiro decreto de extinção, a nota técnica do MMA também alertava que a medida poderia provocar efeitos imigratórios e crescimento de "demanda de serviços auxiliares, o que pode levar à necessidade de abertura de novas áreas, que fogem da alçada dos estudos de impacto ambiental".

Por fim, o MMA recomenda que a Renca não seja extinta, sob a "possibilidade de abrir uma nova frente de conversão em áreas que ainda não foram alteradas de forma significativa".

O presidente em exercício, Rodrigo Maia (DEM), disse que não iria alterar as decisões de Temer.

GILMAR

Em outra frente de judicialização sobre a Renca, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) chegou a entrar com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que a corte reconhecesse a ilegalidade do decreto de Temer.

O partido, assim como juiz federal Rolando Spanholo em sua liminar, alegava que a decisão não poderia ser tomada sem anuência do Congresso Nacional.

O PSOL chegou a afirmar que a não suspensão imediata dos efeitos do decreto que extingue a Renca poderia "gerar danos irreversíveis ao meio ambiente". A relatoria caiu com o ministro Gilmar Mendes, por meio de sorteio eletrônico.

O partido informou que retiraria o mandado de segurança, mas, no início da noite, o ministro já havia pedido esclarecimentos à AGU, que tem dez dias para responder. Com isso, teve início a instrução do processo. Ele já poderia negar o pedido de desistência, mas, agora, ganha a prerrogativa de julgar a ação mesmo que o PSOL retire a ação.

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Raio-X - Renca

Nome
Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca)

Área
46.450 km², entre o Amapá e o Pará

Ano de criação
1984

Composição
Áreas de proteção integral: Estação Ecológica do Jari, Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e Reserva Biológica de Maicuru

Áreas de uso sustentável dos recursos: Reserva Extrativista Rio Cajari, Floresta Estadual do Paru, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e Floresta Estadual do Amapá

Terras Indígenas: Rio Paru D'este e Waiãpi

Objetivo
Segundo o Ministério de Minas e Energia, evitar o desabastecimento de recursos minerais estratégicos para o país, como ouro, platina, cobre, ferro, manganês e níquel

Riscos
Pressão sobre terras indígenas e Unidades de Conservação; nova corrida pelo ouro; desmatamento e ameaça à biodiversidade

Exploração
Era bloqueada para investidores privados e não ocorreram parcerias com o governo devido ao alto custo operacional

Novidade
O decreto 9.142/2017 retira o status de reserva nacional de algumas áreas da antiga Renca; cerca de 30% do total poderá ser explorado.

Mineração
O setor corresponde a 4% do PIB brasileiro e a produção em 2016 foi de US$ 25 bilhões


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