Folha de S. Paulo


Países devem receber para preservar suas florestas, diz diretor da ONU

Divulgação
O químico e diretor do Fórum de Florestas da ONU Manoel Sobral Filho
O químico e diretor do Fórum de Florestas da ONU Manoel Sobral Filho

Diretor do Fórum de Florestas da ONU, o brasileiro Manoel Sobral Filho defendeu, em entrevista à Folha, que a comunidade internacional pague pela preservação das florestas brasileiras, em vez de oferecer recursos pontuais para o seu desenvolvimento.

"Nós não precisamos de esmola; precisamos de pagamento pelo serviço que essas áreas fazem ao planeta", disse. Para ele, o Brasil "vive na berlinda" por causa do desmatamento na Amazônia, mas é preciso ter em mente que houve um desmatamento histórico das florestas mundiais.

Ele criticou a postura "prematura" do governo da Noruega, que retirou verbas do Fundo Amazônia por causa do aumento da derrubada da floresta no Brasil, em junho. Para ele, é preciso melhorar o sistema de financiamento, e fazer o dinheiro chegar às comunidades que estão na floresta.

Sobral Filho, que trabalha há 40 anos com florestas e ambiente, esteve no Brasil para o Fórum Sustentabilidade e Governança, em Curitiba.

Folha - Dá para ganhar dinheiro com madeira legal no Brasil?

Manoel Sobral Filho - Produzir madeira em plantações é um negócio altamente rentável. Agora, ganhar dinheiro produzindo madeira com florestas tropicais nativas é mais difícil. Nas plantações, o rendimento chega a 60 m³ de madeira por hectare. A média brasileira está em torno de 35 m³. Na Amazônia, com manejo sustentável, o aceitável é 1 m³ por hectare. A monocultura produz muito mais madeira.
Aí o pessoal fala: "Mas na floresta amazônica a madeira é de melhor qualidade". Mesmo assim não compensa. Soja dá mais dinheiro; gado, também.
Do ponto de vista de produtos florestais, ela não é competitiva. Temos que arranjar mecanismos para remunerar o que a floresta tropical faz bem, que é conservar a biodiversidade e carbono.

O que ainda falta para isso acontecer?

Algo que, em inglês, chamamos de "willingness to pay". Vontade de pagar. Ninguém tem vontade de pagar pelo bem público. Paga-se pela prestação da casa própria, mas não por um parque. É difícil conservar porque não há mecanismos de remuneração para as áreas florestais.

Falta de 'vontade de pagar' é uma questão cultural ou um gargalo do mercado brasileiro?*

Eu diria que não é só o Brasil. É a população em geral; é do ser humano. Ninguém quer gastar mais.

Mas quem poderia pagar por esses serviços ambientais?

Quem está mais preocupado com carbono e biodiversidade? Mais ainda do que nós? A comunidade internacional. Então, eles é que deveriam pagar.

Aponta-se sempre o dedo para os países tropicais. É verdade, há desmatamento. Mas não vamos esquecer do desmatamento histórico dos outros países. O nosso desmatamento só chegou mais atrasado.

A comunidade internacional está disposta a pagar?

Acho que precisamos aumentar mais uns 2°C na temperatura mundial. [risos] Mas está melhorando.

Recentemente, nós revitalizamos o Fórum de Florestas das Nações Unidas. Nos últimos dois anos, nós formulamos e aprovamos o plano estratégico para florestas.

Nesse plano, pela primeira vez, nós temos uma meta positiva. Não estamos falando só de reduzir o desmatamento. Conseguimos aprovar uma meta de 3% a mais de florestas em 2030. São 120 milhões de hectares.

É uma meta factível?

É audacioso, mas precisamos disso. Se falarmos em expandir a área florestal, vamos também olhar os países que quase não têm área florestal.

Quatro países concentram 50% das florestas do mundo: Brasil, Canadá, Rússia e Estados Unidos. E mesmo assim nós estamos na berlinda o tempo todo.

Um país riquíssimo da Europa disse: é impossível, nós não temos área. Mas a meta é global. E cada país dirá como contribuir. E eu respondi: vocês têm recursos financeiros que podem bancar aumento de florestas em outras áreas.

E é para colocar dinheiro de verdade, não é essa porcariazinha de ajuda para desenvolvimento que se dá hoje. Tem que ser pagamento pelo serviço. Não é esmola. É pagamento por algo que é importante para toda a humanidade.

Como o sr. avalia a decisão da Noruega em retirar apoio financeiro do Fundo Amazônia?

É uma quantia relativamente pequena. Foram R$ 2,77 bilhões ao longo de quanto tempo? Dez anos? Esse dinheiro ficou parado no BNDES e só chegou a algumas algumas ONGs. Passou alguma coisa para os indígenas? Se passou, foi migalha. Por isso que o desmatamento aumenta.

Eu achei prematuro retirarem essa verba [do Brasil].

Nós temos uma legislação que nenhum outro país do mundo tem, que estabelece 80% de reserva legal na Amazônia. Isso tem um custo, e é um custo muito grande. Deixa de gerar renda, desenvolvimento. Fica protegido para beneficiar o mundo com carbono e biodiversidade.

E quem paga? Altruísmo, todo mundo quer.

O que poderia ser feito para estimular o pagamento desses serviços?

Você tem que promover. Na década de 1960, o Brasil criou o famoso Fiset [Fundo de Investimento Setorial]. Milhões de hectares de plantações de floresta no Brasil foram formados com esse fundo, que era um fundo de renúncia fiscal.

Grandes bancos, montadoras, em vez de pagar imposto, recolhiam para o Fiset. Foi assim que o Brasil fez suas plantações.

Por que não criaram um fundo semelhante para o manejo florestal sustentável? Tem que ter um incentivo do Estado aí. Só intervenções policiais não resolvem.

Sem isso, a própria comunidade se organiza para atacar gente do Ibama. Você já viu isso. A comunidade se identifica mais com quem tem atividade ilegal do que com o Estado. Porque não há incentivo.


Endereço da página: