Folha de S. Paulo


Cadastro Ambiental Rural não impede desmate nem incentiva restauro

Nacho Doce - 11.nov.13/Reuters
Vista aérea mostra área desmatada por madeireiros e fazendeiros em Santarém (PA)
Vista aérea mostra área desmatada por madeireiros e fazendeiros em Santarém (PA)

Produtores registrados no CAR (Cadastro Ambiental Rural) se sentem confortáveis em continuar desmatando e em não tomar nenhuma atitude com relação à recuperação de áreas que foram desmatadas anteriormente.

Essas foram as conclusões de um estudo de pesquisadores brasileiros publicado nesta segunda-feira (3), na revista científica "PNAS". Foram utilizados dados de 49.669 propriedades dos Estados do Pará e Mato Grosso entre os anos de 2008 e 2013.

O CAR foi nacionalmente implementado como uma das principais ferramentas do Código Florestal de 2012. Pará e Mato Grosso implantaram sistemas de registro de propriedade antes do novo código. Com o instrumento, os proprietários rurais precisam registrar, a partir de uma plataforma on-line, a composição de suas terras. Isso facilitaria o monitoramento do desmatamento e a cobrança para recuperação de áreas desmatadas por parte do governo.

Segundo os dados mais recentes, a maior parte das propriedades já realizou seu cadastro. Nas regiões Norte e Sudeste, 100% das áreas estão cadastradas, enquanto Sul e Centro-Oeste têm números superiores a 90%. No Nordeste, 79% das propriedades rurais se encontram cadastradas.

"Não significa nada estar no CAR se o produtor não recebe os sinais necessários de que está sendo monitorado", afirma Andrea Azevedo, uma das autoras do estudo e ex-diretora de políticas públicas do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Andrea se refere a notificações e multas por áreas desmatadas, além de sinalizações do próprio mercado de que não irá compactuar com ilegalidades. "O produto se mistura completamente na indústria, que compra produções legais e ilegais. E não há nenhuma menção de que há preocupação com isso."

O estudo mostra que 76% dos produtores entrevistados afirmam que só tomariam alguma atitude em relação à restauração ambiental em suas propriedades caso fossem obrigados por multas do governo ou recebessem incentivos da indústria.

Somente 6% dos entrevistados afirmaram tomar atitudes para restauração das áreas desmatadas dentro do CAR. O Código Florestal obriga os produtores a regenerar áreas dentro de suas propriedades até atingir o percentual mínimo de reserva legal (de forma geral, 80% na Amazônia), local em que não é permitida exploração.

"O CAR nasceu com um potencial muito grande", afirma Raoni Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e outro autor do estudo. "Não há ferramenta melhor, mas você precisa usar esse instrumento de maneira sistemática."

A pesquisa aponta que financeiramente é benéfico para os produtores se cadastrar no CAR, o que explicaria a grande adesão. Sem o registro, o acesso a crédito fica mais difícil e pode haver algumas limitações de mercado, como não conseguir vender para algumas empresas.

Contudo, segundo o estudo, com o cadastro já realizado, a melhor e mais confortável situação para o proprietário é não implementar as próximas medidas, como parar de desmatar e recuperar a vegetação.

"Dependendo do caso do produtor, vale a pena continuar desmatando. Há essa ideia de que, se eu desmatar pouco, não acontece nada.", afirma Rajão. "Hoje o custo para recuperar uma área é muito alto. Do ponto de econômico, é muito arriscado para o proprietário individual caminhar em um processo de compliance com o Código Florestal. Por isso, a tendência para buscar regularização completa é muito pequena."

De acordo com os pesquisadores, o governo precisa de ações mais incisivas, não só do ponto de vista das multas. Seriam necessários também incentivos financeiros tanto do poder público quanto do setor privado.

"É interesse para o indústria, porque ela também precisa mostrar que vende um produto legal, principalmente em um momento em que ela está fragilizada [devido a acontecimentos recentes que lançaram dúvidas sobre a qualidade da carne brasileira]", afirma Andrea.

OUTRO LADO

Raimundo Deusdará, diretor geral do SFB (Serviço Florestal Brasileiro), classifica o estudo como reducionista e simplista.

Segundo Deusdará, o CAR precisa ser entendido como uma linha do tempo. O primeiro momento teria sido o cadastro dos produtores. O momento atual seria o de verificação de informações. Só em seguida poderia começar um processo de regularização dos produtores.

"É preciso dar uma saída para eles agora. Como fazer, de que forma fazer, quanto custa, quem vai apoiar", afirma o diretor do SFB, que diz que 51% dos cadastrados no CAR reconhecem ter problema e querem regularizar suas propriedades.

Apoios para obtenção de crédito agrícola e em relações comerciais estão entre os mecanismos estudados de incentivo à regularização. Além disso, Deusdará afirma que o PRA (Programa de Regularização Ambiental) já está em processo de testes nos Estados e, até agosto, estará disponível para produtores.

Com o PRA, produtores rurais poderiam ter acesso, via aplicativo, a opções de regularização.

Sobre o uso do CAR para controle do desmatamento, Deusdará afirma que já há ações em andamento. "O Ibama está usando essas informações na operação 'Controle Remoto'."

A operação já foi realizada no Mato Grosso e começará a fiscalizar os Estados do Acre, Rondônia e Pará.


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