Folha de S. Paulo


Desmatadores enterram árvores para ocultar crime no Paraná

Ministério Público do Paraná/Divulgação
Área na região central do PR em 2010 e, à direita, desmatada em 2016; propriedade foi fiscalizado em março
Área na região central do Paraná em 2010 e, à direita, desmatada em 2016

Uma ação de fiscalização nas principais áreas de desmatamento de mata atlântica no Paraná, realizada no fim de março, descobriu que desmatadores da região chegaram a enterrar árvores derrubadas para esconder o crime.

"Eu nunca tinha visto isso aqui", diz o tenente-coronel Cesar Lestechen Medeiros, que comanda o Batalhão de Polícia Ambiental do Paraná. "É mais um artifício para não chegar numa serraria com a madeira; uma forma de disfarçar o crime ambiental."

Editoria de Arte/Folhapress

A prática foi encontrada em duas fazendas na região central do Estado, onde estão os principais remanescentes da mata de araucárias, parte integrante da mata atlântica e ameaçada de extinção.

O Paraná tem sido campeão no desmatamento da mata atlântica nos últimos 30 anos, segundo levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No ano passado, registrou aumento no ritmo de desmatamento ""grande parte na área central do Estado, onde foi feita a fiscalização.

MATA EM PERIGO - Paraná é campeão em desmatamento da mata atlântica nos últimos 30 anos

Ritmo de desmatamento no Paraná teve cresceu 116% - Em hectares

A maioria das áreas desmatadas, segundo o promotor Alexandre Gaio, deu lugar a lavouras de soja e milho. Algumas árvores foram vendidas a fábricas de carvão. Nas propriedades com árvores enterradas, tratores de esteira foram usados para derrubar a mata.

"É um desmatamento que perdeu a dimensão de 'campos de futebol', como costumamos dizer. É uma área de um bairro inteiro", diz o superintendente do Ibama no Paraná, Julio Gonchorosky.

As árvores enterradas, por si só, não chegam a prejudicar o meio ambiente, segundo a professora Ana Paula Dalla Corte, do curso de Engenharia Florestal da UFPR (Universidade Federal do Paraná). "É biomassa, material vegetal. Isso se decompõe rapidamente e acaba se integrando ao solo", afirma.

Elas impressionam, porém, pela intenção de ocultar o crime de desmatamento.

"Não tem como não deixar rastro. A floresta estava lá e desapareceu", diz a diretora-executiva da SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota.

Para Clóvis Borges, da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), a prática demonstra "desprezo" pela natureza.

"Nem a madeira mais eles querem usar. É um desprezo total pela floresta, pela lei e pelo interesse público."

IMAGENS DE SATÉLITE

O projeto de fiscalização, chamado Mata Atlântica em Pé, foi idealizado pelo Ministério Público do Paraná, junto com a Polícia Ambiental e o Ibama, que estiveram nas 241 propriedades com maior quantidade de desmatamento no Paraná.

Fiscalização realizada no mês passado, no Paraná - Em hectares

Imagens de satélite, que comparavam antes e depois, serviram como referência para a ação. Foram selecionadas as áreas com o maior volume de desmatamento nos últimos dez anos.

O desmatamento foi confirmado em 92% das propriedades fiscalizadas. No total, foram 1.358 hectares de desmate –o equivalente a 1.400 campos de futebol. Seis pessoas foram presas em flagrante por crime ambiental.

"Não estamos tratando aqui de pequenos proprietários rurais. Foram os maiores desmatamentos ocorridos no Paraná", afirma Gaio, que coordena o Centro de Apoio de Proteção ao Meio Ambiente no Ministério Público.

Em cerca de 30 áreas, porém, os proprietários tinham licença ambiental para a derrubada –o que, para o Ministério Público, é ilegal e deve ser investigado.

"Não é razoável, com a situação que vivemos hoje, de praticamente extinção da mata de araucárias, que se continue a emitir autorizações florestais para desmate, especialmente para abrir novas fronteiras agrícolas", diz Gaio.

O objetivo da promotoria, agora, é acionar os donos das terras e obrigá-los a recuperar a área, replantando a floresta. Os nomes dos proprietários só serão divulgados após a tentativa de acordo.

A fiscalização também deve ser estendida a outras regiões do Estado. O Batalhão de Polícia Ambiental diz que o projeto serviu como piloto para o trabalho com sensoriamento remoto, como já é realizado em outros Estados.

Para Borges, da SPVS, a tecnologia pode servir como um inibidor do desmate. "Agora estamos vendo o que é feito. É aquela coisa: se você mexer [na mata], eu vou te pegar."


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