Folha de S. Paulo


Chimpanzé argentina ganha habeas corpus e vai para santuário em SP

Às 19h18 desta quarta-feira (5), Cecilia, uma chimpanzé argentina que vivia no zoológico de Mendoza, chegou a sua nova casa: o Santuário de Grandes Primatas, em Sorocaba (a 100 quilômetros de São Paulo).

Ela havia desembarcado no aeroporto de Guarulhos às 9h, mas houve demora por conta de trâmites burocráticos envolvendo a entrada do animal no país.

A mudança de país não é banal. A primata é o primeiro animal não humano do mundo a usufruir na prática do direito, concedido por meio de um habeas corpus, de viver em um santuário.

O pedido foi feito pela ONG argentina Afada (sigla em espanhol para Associação de Funcionários e Advogados pelos Direitos dos Animais) à Justiça do país, sob os argumentos de que a chimpanzé é um sujeito de direito, não um objeto, e de que se encontrava em condições de cativeiro muito ruins no zoológico.

A primata vivia sozinha desde a morte de seus companheiros, os chimpanzés Xuxa (sua irmã) e Charly, nos últimos dois anos.

O "estado de saúde mental e físico [de Cecília] está profundamente deteriorado e piora dia a dia, com evidente risco de morte", afirmou Pablo Buompadre, presidente da ONG Afada, no habeas corpus.

Buompadre argumentou ainda que a chimpanzé se encontra "ilegalmente privada de sua liberdade" –já que a "prisão" não teria sido decretada por uma autoridade competente– "sendo uma clara prisioneira e escrava".

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Editoria de Arte/Folhapress

QUEM É CECILIA

Nascimento
> 28 de junho de 1996 (20 anos de idade), no zoo- lógico de Mendoza, Argentina

Trajetória
> Passou a vida toda no zoológico onde nasceu. Nos últimos anos, viveu junto dos chimpanzés Xuxa (morta em janeiro de 2015 e Charly (morto em julho de 2014)
> Depois da morte dos companheiros, ficou muito deprimida e sua saúde começou a se deteriorar

Casa nova
> Um pedido de habeas corpus foi feito pela ONG argentina Afada à Justiça do país, com argumentos que a chimpanzé é um sujeito de direito, e não um objeto, e que se encontrava em condições de cativeiro muito ruins no zoológico
> A juíza Maria Alejandra Maurício concedeu o pedido e determinou a transferência de Cecilia para o Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba (SP). Nesta quarta (5), Cecilia chegou ao Brasil

OUTROS CASOS DE HABEAS CORPUS

EUA
> Em 2013, A ONG Non Human Rights Project apresentou-se a três tribunais do Estado de Nova York para pedir que quatro chimpanzés atualmente enjaulados pudessem ser transferidos para um santuário
> A Justiça de Nova York rejeitou o pedido para que eles fossem considerados legalmente como pessoas e amparados pelos direitos humanos

BRASIL
> A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio negou o pedi- do de habeas corpus para o chimpanzé Jimmy, do Zoonit (jardim zoológico de Niterói)
> Em 2005, a chimpanzé Suíça, que vivia no Jardim Zoológico de Salvador, mor- reu antes que seu pedido de habeas corpus fosse julgado

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O processo correu por mais de um ano até que a juíza Maria Alejandra Maurício, de Mendoza, concedeu o pedido e determinou a transferência de Cecilia para o santuário.

"O chimpanzé não é uma coisa, não é um objeto do qual pode se dispor, como se dispõe de um automóvel", diz a juíza na decisão. "Não se trata aqui de outorgar os direitos que seres humanos possuem, mas de aceitar e entender de uma vez que esses são seres vivos sensíveis, que são sujeitos de direito e que têm direito de nascer, viver, crescer e morrer no meio que lhes é próprio segundo sua espécie."

A juíza também cita artigos da declaração universal do direito dos animais, da Unesco que dizem que a) todo animal selvagem tem o direito de viver livre em seu próprio habitat, terrestre, aéreo ou aquático, e se reproduzir, e b) todo privação de liberdade, inclusive para fins educativos, vai contra esse direito.

Considerando que, segundo a juíza, não era mais possível dar um bom tratamento à chimpanzé e que o habeas corpus é um mecanismo constitucional que garante –aparentemente agora também para primatas– o direito de ir e vir, a Justiça de Mendoza autorizou a vinda de Cecilia para Sorocaba, onde ela conviverá com cerca de 50 primatas.

Do ponto de vista da ONG, a opção de Cecília de vir para o santuário no Brasil não é indiscutivelmente positiva, já que o ideal seria seu habitat natural, o que não é possível. "Cativeiro é cativeiro", diz Pedro Ynterian, 77, proprietário do santuário. Contudo, ele afirma que essa é a melhor saída possível para Cecília.

Após a chegada ao santuário –onde não há visitação do público nem estudos com os bichos–, a chimpanzé passará por um período de quarentena, no qual ficará em observação. "Quando ela for inserida, vamos ficar sabendo na hora. Os chimpanzés lá de baixo vão começar a avisar", diz a cuidadora Suzy Penha, 49.

Ela e Rosemar Pereira, 35, são responsáveis pela alimentação, observação e limpeza de alguns grupos de chimpanzés que habitam o local –entre eles, o casal Martim e Mônica que, curiosos com a agitação incomum na porta do santuário, por conta da espera por Cecilia, sobem ao ponto mais alto do seu recinto e observam a movimentação.

Segundo Ynterian, o processo de vinda para o Brasil só ganhou impulso com a ajuda do secretário de ambiente de Mendoza e com uma nova diretoria no zoo, que bancaram os custos da viagem. Agora, há um processo de transformação do zoológico da província em um ecoparque, no qual não são aceitos novos animais e não há visitação.

No santuário de Sorocaba há animais vindos de circos, zoológicos e também os "da casa", que nasceram no local. Após a quarentena, Cecilia poderá socializar com os animais que vivem em volta do recinto que ela ocupará. Uma dos possíveis parceiros é o simpático Billy, 15, que gosta de fazer bico com a boca e contar com os dedos.

Na casa nova, Cecilia passou inspecionando quase todos os "cômodos". Enquanto as câmeras das TVs e suas luzes acompanhavam atentamente a ação, as cuidadoras, curiosas e com olhares carinhosos, amontoavam-se no parapeito do recinto para ver e fotografar a chimpanzé estrela.

Após rodar um pouco, Cecilia se sentou perto de uma bandeja com vegetais e de duas garrafas de água, deixados ali para ela. A chimpanzé pegou uma das garrafas, tomou tranquilamente um gole e olhou para cima, para todos que a observavam.


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