Folha de S. Paulo


Crescentes temperaturas no Ártico alarmam cientistas

Nasa/Reuters
Pesquisadores americanos examinam gelo ártico, em Barrow, no Alaska (EUA)
Pesquisadores americanos examinam gelo ártico, em Barrow, no Alaska (EUA)

A sequência de picos de calor, nos últimos dois meses, no Ártico tem alarmado os cientistas. Eles afirmam que as temperaturas mais altas podem ocasionar, no próximo verão, um recorde preocupante: a menor cobertura de gelo já registrada. Isso pode resultar em um maior aquecimento em uma área que está entre as mais atingidas pelas mudanças climáticas.

Em meados de novembro, em algumas partes do Ártico, as temperaturas se encontravam cerca de 1,9 ºC acima do que é normalmente observado. No polo propriamente dito, as temperaturas ficaram aproximadamente 1,3 ºC acima do normal.

De certa forma, essas condições já se normalizaram, mas os episódios de temperaturas extremas tendem a voltar –a partir desta quinta (22) se espera que as temperaturas estejam 1,5 ºC acima do normal.

Jeremy Mathis, diretor do Programa de Pesquisa do Ártico da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês), diz que o calor provocou um congelamento tardio do Oceano Ártico. Isso possivelmente levará ao recorde de menor cobertura de gelo na primavera e verão, o que, consequentemente, pode levar a mais aquecimento, já que haverá menos gelo para refletir o sol e maior porção de oceano –mais escuro– exposto para absorver os raios solares.

"Nós observaremos o verão de 2017 atentamente", afirma Mathis.

Um estudo, divulgado nesta quarta (21), liga as temperaturas anormalmente altas no Ártico à mudança climática causada pelo ser humano.

Foram utilizadas simulações climáticas para analisar os períodos antes e depois da intensificação das emissões de gases estufa. Os pesquisadores descobriram que a probabilidade da ocorrência de temperaturas extremas, como as verificadas recentemente, saltaram de 1 a cada mil anos para 1 a cada 50 anos.

"Um evento como o que estamos observando agora ainda é algo raro", diz Friederike E.L.Otto, cientista do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e uma das responsáveis pelo estudo. "Contudo, sem a presença humana, teria sido um episódio extremamente improvável."

Otto afirma que, se as mudanças climáticas continuarem no ritmo atual, episódios de temperaturas extremamente altas no Ártico podem passar a ocorrer a cada dois anos.

"É impressionante como o risco de eventos como esse estão aumentando", ela diz. "É uma região na qual os impactos da mudança climática são muito visíveis."

Walt Meier, pesquisador da Centro Espacial Goddard da Nasa, afirma que o aquecimento anormal é resultado de flutuações nas correntes atmosféricas que permitiram a entrada de ar gelado na América do Norte e ar quente no Ártico.

Mesmo que esse tipo de calor extremo não seja novidade, há sinais de que eles estão se tornando mais comuns devido a ação humana, afirma Meier. "Nós estamos deixando o dado viciado para que esse resultado seja mais provável."

A Terra, como um todo, está mais quente –2015 foi o ano mais quente desde o início dos registros e a previsão é que 2016 bata esse recorde–, mas o Ártico está esquecendo pelo menos duas vezes mais rápido que a média global.

Os cientistas afirmam que, em parte, isso ocorre devido à menor cobertura de gelo. Normalmente, o gelo reflete entre 50% e 70% da energia solar. Por outro lado, a água, além de ficar mais quente, reflete somente 6%.

Com a água aquecida, mais gelo derrete, o que ocasiona uma maior porção do oceano exposto e mais derretimento ainda.

As recentes altas temperaturas tiveram um profundo impacto na formação do gelo ártico. A cobertura de gelo é a menor já registrada em qualquer novembro, desde o início das medições em 1979, segundo a Noaa. O gelo também está ficando mais fino enquanto placas geladas grossas, que duravam anos, são substituídas pelas que derretem anualmente.

Nesse outono, as temperaturas foram tão incomuns que a Noaa decidiu lançar com atraso o anual "Arctic report card" (Relatório Ártico, em tradução livre). "Pelas tendências impressionantes que vimos nos últimos meses, resolvemos fazer um adendo", afirma Mathis.

O relatório, que inclui descobertas feitas por projetos, patrocinados pela Noaa, com mais de 60 cientistas, foi divulgado na semana passada em uma conferência em São Francisco. Segundo Mathis, além dos picos de calor, o ano, como um todo, foi o mais quente já registrado.

"O 2016 do Ártico foi algo que nunca vimos antes", disse Mathis.

Embora uma parte do aquecimento se deva aos efeitos do El Niño –que afetou os padrões climáticos globais no ano passado–, o que se vê atualmente está no topo de uma já percebida tendência de aquecimento.

O relatório da Noaa também demonstrou que, graças ao derretimento, o gelo da Groenlândia continua a diminuir –o que acontece desde 2002, quando começou o acompanhamento por satélite. Em 2016, o derretimento começou mais cedo do que em todos os anos anteriores, com exceção de 2012.

Na conferência em São Francisco, Mathis afirmou que o aquecimento do Ártico tem um efeito cascata no ambiente.

Segundo ele, as comunidades locais que dependem de pesca e caça "deveriam estar muito preocupadas com a situação".

Contudo, Mathis deixou claro que as mudanças no extremo norte são da conta de todo mundo. "Precisa ficar claro para as pessoas, elas precisam entender que o que acontecer no Ártico vai ter um impacto na vida de todos, independentemente de onde você viver."


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