Folha de S. Paulo


SOS Mata Atlântica faz 30 anos de olho nos rios e na costa brasileira

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C8_310high - Corte do Cantagalo e Lagoa Rodrigo de Freitas, 2014 Robert Polidori ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cantagalo e Lagoa Rodrigo de Freitas, por Robert Polidori, obra explora Rio de Mata Atlântica

Evitar que os rios das grandes cidades brasileiras continuem a funcionar como esgoto a céu aberto e lutar pela aprovação de uma lei que proteja os ambientes costeiros do Brasil estão entre os próximos objetivos da ONG ambientalista SOS Mata Atlântica, que está completando 30 anos de existência.

"A gente viu os prefeitos nessa última campanha prometendo construir mais postos de saúde, enquanto uma proporção enorme das doenças infecciosas do país têm a ver com qualidade da água e saneamento básico", diz Mário César Mantovani, diretor de políticas públicas do órgão. "Em pleno século 21, não faz o menor sentido ficar jogando esgoto em rio."

A preocupação com a disponibilidade e qualidade da água pode parecer estranha para uma ONG que leva o nome de um bioma ameaçado, mas as coisas, na verdade, estão intimamente ligadas.

Mais de dois terços da população brasileira vive na mata atlântica, ou no que restou dela (calcula-se que apenas 12,5% da cobertura original do bioma ainda subsista, a maior parte desse total espalhada por milhões de fragmentos minúsculos de floresta, cada um deles com poucos hectares de extensão).

Isso significa que a água consumida por toda essa gente depende, em larga medida, dos serviços de filtragem e proteção de nascentes prestados de graça pelas sobras de mata. De quebra, a maioria das projeções científicas aponta para um aumento dos eventos climáticos extremos -como secas e enchentes, por exemplo- ligados ao aquecimento global nas próximas décadas, o que torna ainda mais importante o papel da cobertura vegetal para domar as águas.

Mata Atlantica mapa

Chamar a atenção para essas conexões é um dos trunfos históricos da ONG, diz Mantovani. "A gente conseguiu trazer a questão ambiental para o cotidiano das pessoas, conseguiu mostrar que não é só coisa de quem está preocupado com bichinho e plantinha."

RENASCENÇA

Já nos primeiros anos após a sua criação, a SOS Mata Atlântica também foi responsável pelo primeiro sistema de monitoração do desmatamento por satélite no Brasil, em parceria com o Inpe e com o Ibama, criando o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica -um modelo que seria replicado com sucesso para acompanhar a devastação da Amazônia.

"Nos anos 1980, as pessoas achavam que o processo de desmatamento da mata atlântica era algo que já fazia parte da história, que tinha basicamente terminado. O atlas mostrou que esse processo ainda estava acontecendo", afirma Márcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da organização.

Três décadas depois, o ritmo da devastação caiu 83%, e sete Estados registraram desmatamento zero no último atlas, divulgado em 2015. Há dez anos, graças, em parte, aos esforços da ONG, foi aprovada uma lei federal voltada especificamente para proteger o bioma.

Grafico desflorestamento

Uma das próximas batalhas tem a ver com os chamados rios de classe 4 -equivalentes ao curso do Tietê na capital paulista, caracterizados pela virtual ausência de vida animal em suas águas, servindo apenas para carregar esgoto. "É ilusão achar que vamos transformar esses rios no Tâmisa, com paisagens bucólicas nas margens, mas dá para melhorar muito a situação com tratamento de esgoto", diz Mantovani.

Hoje, um dos projetos da ONG, o Observando os Rios, tem como objetivo incentivar grupos de cidadãos - de escolas a associações de moradores - a acompanhar a qualidade da água de sua região, por meio de um kit de análises químicas. Essas ferramentas ajudaram alunos do ensino fundamental e médio do colégio Guilherme Dumont Villares, do bairro paulistano do Morumbi, a redescobrir a história do córrego que passa a poucas dezenas de metros da escola.

"No começo, não tínhamos ideia nem do nome do córrego e não sabíamos ao certo onde ficava a nascente dele", conta Egle Bing, coordenadora da área de ciências humanas do colégio. Os alunos puseram mãos à obra, fazendo entrevistas com moradores mais antigos do bairro, tirando fotografias e usando o kit para analisar a água coletada em diversos pontos. Acabaram identificando a nascente e descobrindo que o nome original do riozinho era Caboré. A experiência deu origem a um livro.

A situação dos rios da mata atlântica ilustra, em certa medida, a situação do litoral brasileiro, que levou a ONG a trabalhar para a criação da chamada Lei do Mar. A poluição trazida por via fluvial tem impactos sérios sobre o turismo, com praias cada vez mais impróprias para banho - e a pesca industrial tem ocasionado diminuições insustentáveis da população de peixes, um fenômeno que é mundial. Mantovani diz esperar que o Congresso examine a proposta, que conta com o apoio da Frente Parlamentar Ambientalista, em 2017.

INCENTIVOS ECONÔMICOS

Para Márcia, outro ponto crucial é aumentar os incentivos econômicos para manter a floresta em pé. Um mecanismo que tem funcionado é o chamado ICMS Ecológico. De acordo com ele, os recursos desse imposto estadual são repassados de forma mais generosa aos municípios que possuem iniciativas de preservação bem organizadas.

Há ainda a possibilidade de pagamento por serviços ambientais, na qual produtores rurais que preservam uma área maior de suas propriedades são remunerados pelas vantagens que o ecossistema preservado traz para a comunidade como um todo - o abastecimento de água, de novo, está no topo da lista, assim como a preservação da fertilidade do solo e até o abrigo para animais polinizadores, dos quais depende a maior parte das culturas agrícolas.

São estratégias estreitamente relacionadas com escalas territoriais menores, no nível dos municípios. Não por acaso, um levantamento recente encomendado pela ONG revelou uma espécie de "matéria escura" da rede brasileira de áreas naturais protegidas: 857 UCs (unidades de conservação) municipais que somam pelo menos 2,6 milhões de hectares nos Estados com presença da mata atlântica, das quais 80% nem chegavam a constar do cadastro nacional de reservas naturais. "Fazer esse levantamento foi como montar um enorme quebra-cabeças", conta o biólogo Luiz Paulo Pinto, responsável pelo estudo.

Justamente por estarem perto de alguns dos principais centros urbanos do país, essas UCs são peças-chave para o ecoturismo, para estudos científicos sobre o bioma e para o abastecimento de água das metrópoles. "O nosso objetivo é mostrar que há uma relação direta entre essas áreas e o nosso bem-estar", resume Márcia.

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Pelo Verde

Com ação de ONG, destruição da mata atlântica é reduzida ao longo dos anos

1.A mata atlântica era o bioma dominante em quase todo o litoral brasileiro (e boa parte do interior) quando os europeus chegaram ao país em 1500

2.Em 1990, a ONG SOS Mata Atlântica, em parceria com o Inpe e o Ibama, publicou a primeira avaliação feita por satélite do que havia restado da mata. Na escala examinada então, havia restado apenas 8,8% do bioma

3.As análises mais recentes e precisas, que levam em conta fragmentos de mata de tamanho menor, indicam que resta 12,5% da mata original, ainda que subdividida em poucos hectares

Desmatamento Zero

O último levantamento, que vale para o período 2014-2015, indica que sete Estados estão no nível considerado de "desmatamento zero" -derrubadas inferiores a 100 hectares. A lista inclui São Paulo, Goiás, Paraíba, Alagoas, Rio de Janeiro, Ceará e Rio Grande do Norte

Campeões Históricos

Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina foram os Estados que mais desmataram desde o início do monitoramento


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