Folha de S. Paulo


Incentivo financeiro para manter florestas divide delegação brasileira

Uma das propostas da diplomacia brasileira na Conferência do Clima da ONU, a COP-22, para implementar o Acordo de Paris causou um racha na delegação do país.

O governo não quer que os projetos de combate ao desmatamento no país gerem créditos de carbono, que poderiam ser comprados por outros países que não fizeram seu dever de casa.

O mercado foi criado no Protocolo de Kyoto e permite que os países possam bater suas metas pagando pelos esforços feitos em países em desenvolvimento. Na época, só os países ricos tinham metas. Agora, com o Acordo de Paris, todos têm suas metas, definidas nacionalmente, e qualquer país poderá comprar ou vender créditos de carbono.

Zhao Dingzhe/Xinhua
(161114) -- MARRAKECH, Nov. 14, 2016 (Xinhua) -- People attend a gathering to call for less fossil fuel development and a transition to renewable energy during the 22nd Session of the Conference of the Parties to the United Nations Framework Convention on Climate Change (COP22) in Marrakech, Morocco, on Nov. 14, 2016. Africa presents united front and calls for action at the COP22 scheduled from Nov. 7 to 18 in Marrakesh, Morocco. (Xinhua/Zhao Dingzhe) (wtc)
Participante da conferência do clima protesta por mais energias renováveis

Para a regulamentação do mercado de carbono dentro do novo acordo climático, o Brasil propõe que as políticas de combate ao desmate não entrem no rol de atividades aptas a vender créditos.

ONGs que atuam no setor dizem que a medida prejudica a proteção florestal no país ao tirar incentivos financeiros.

Já o governo afirma que o uso da preservação de florestas serviria como subterfúgio para que países ricos continuem emitindo.

Também há um argumento científico por trás do critério brasileiro de excluir as florestas dos créditos de carbono. Thelma Krug, matemática que ocupa umas das vice-presidências do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, explica que o critério evita uma inversão de responsabilidades sobre as mudanças do clima.

"Dado que as maiores emissões de gases-estufa estão relacionadas à queima de combustíveis fósseis, e não ao desmatamento e ao uso da terra, é no setor energético que devem se concentrar os esforços para manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2ºC", diz, reforçando que a proteção florestal está condicionada à redução de emissões.

A divergência nas posições das ONGs brasileiras e do governo que negocia nas conferências climáticas gerou atrito em Marrakech, onde acontece a conferência.

Mesmo dentro do próprio governo há desacordos, e especula-se que esse posicionamento seria um retrocesso diante do que o país defende internacionalmente, já que o Brasil é o principal autor da política que viria a se chamar Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) nas negociações climáticas. Boa parte do que foi definido na COP de Varsóvia, em 2013, saiu da experiência brasileira com o Fundo Amazônia (para o qual a Noruega doou U$1 bilhão pelo desempenho na diminuição das taxas de desmate).

Na segunda (14), o debate tomou conta de uma reunião que ministros e diplomatas sobre o avanço das negociações com todos os membros da delegação (incluindo integrantes dos ministérios do Meio Ambiente, das Relações Exteriores e da Agricultura, parlamentares e empresários).

No encontro, o senador Jorge Viana (PT-AC) levou um documento, com assinatura de oito parlamentares e 14 organizações ambientais (como SOS Mata Atlântica e Imazon), que apela para que o governo reveja a proposta.

Para o diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisas da Amazônia), André Guimarães, faltou diálogo na formulação da proposta brasileira.

Fontes do governo contam que o espaço para esse debate estava estabelecido desde março, com a criação da Comissão Nacional para Redd.

Como o Acordo de Paris tem até 2018 para ser regulamentado, não há a expectativa de que esse critério seja definido ainda em Marrakech.


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