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Cientistas tentam descobrir se elevou frequência de ressacas no Brasil

Nirley Sena/A Tribuna de Santos/Folhapress
Ressaca no mar da Baixada Santista
Ressaca no mar da Baixada Santista

Morar pertinho da praia pode ter inconvenientes bem piores do que a ferrugem nos móveis e eletrodomésticos, efeito da maresia. Volta e meia o mar se revolta e invade quiosques e avenidas com suas ondas, causando estragos consideráveis como os vistos recentemente no litoral do Sul e do Sudeste.

Ainda faltam métodos confiáveis de previsão das ressacas e dados que confirmem se elas estão ocorrendo com maior frequência. Por isso mesmo, o fenômeno oceano-meteorológico tem ganhado mais atenção e protagonismo nas discussões e pesquisas climáticas, numa tentativa de compreendê-lo melhor.

"Há uma crescente percepção nas últimas duas décadas de que as ressacas são um problema", afirma o climatologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).

O problema é que não há um registro histórico detalhado nem muita informação a respeito das ressacas no litoral brasileiro, segundo Roberto Fontes, professor da Unesp de São Vicente. Daí a dificuldade em dizer se os fenômenos aumentaram em número e intensidade nos últimos anos –seja por causa do aquecimento global ou outras mudanças climáticas.

Como se forma a ressaca

Uma estatística curiosa é o registro de que, entre eventos chamados de popularmente de "maré alta" e ressacas, 73% dos fenômenos se concentram na década de 2000, de acordo com uma pesquisa de 2008 baseada em acervos de jornais e em bancos de dados de desastres da cidade de Santos, no litoral de São Paulo. em 88 anos observados

Apesar de não existir uma capacidade observacional tão detalhada do clima para saber exatamente o que está acontecendo, para o estudioso do clima e professor da USP Paulo Artaxo o risco é claro. "Todos os modelos climáticos apontam claramente para um aumento contínuo nas ressacas e no nível do mar, que subiu 25 cm nos últimos cem anos."

Para o físico e professor da USP Belmiro Castro, porém, é prematuro dizer que as mudanças climáticas estão causando um aumento na ressaca. Dentro do complexo sistema climático, o aquecimento global poderia até arrefecer as ressacas, caso reduzisse a intensidade das frentes frias, por exemplo.

BARREIRAS

Se há dúvidas com relação ao aumento da frequência de ressacas, fica a certeza de que as cidades têm de estar preparadas para o pior. Artaxo afirma que não há nenhuma perspectiva de diminuição dos eventos climáticos extremos. Pelo contrário.

Em Santos, uma pesquisa recente apontou que a população em áreas de risco rejeita fortemente a ideia de ser realocada para uma área mais segura. As opções que restam são a criação de barreiras e o "engordamento" da praia, "empurrando" o mar para mais além de onde fica.

Outra medida importante é a dragagem, que retira dejetos do fundo do estuário, aumentando a profundidade e dificultando que, em eventos extremos, o mar avance tanto. A previsão é que ele suba pelo menos 18 centímetros até 2050 em Santos.

Estima-se que, com um investimento de menos de R$ 300 milhões, seja possível reverter mais de R$ 1 bilhão em prejuízos. Como 44% da população mundial vive em regiões costeiras, a pesquisa do impacto de eventos climáticos extremos e dos cenários de adaptação ganha cada vez mais relevância.

ORIGEM

A aparente indisciplina oceânica é produto da combinação de dois fatores: a presença de ventos fortes e da altura da maré –fenômeno determinado astronomicamente pelas posições relativas do Sol, da Lua e da Terra.

Os maiores efeitos (ou seja, maiores amplitudes de marés altas) acontecem quando os três astros formam uma linha reta, maximizando a ação da força gravitacional, que move as águas. Isso acontece nas fases de lua nova e de lua cheia.

Descontando os efeitos meteorológicos, a variação da altura do nível do mar é o que o cientistas chamam de um fenômeno determinístico, ou seja, é possível saber com certeza qual será a altura da maré a cada instante.

A preamar (pico da maré alta) e a baixamar (menor nível da maré baixa) se alternam em intervalos de um pouco mais de seis horas. A pior ressaca possível aparece principalmente quando há coincidência de ventos fortes, causados por frentes frias, com as marés cheias.

Para prever as ressacas, o difícil é saber quando a ventania virá. As massas geladas de ar que vão provar ressacas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil se formam na Antártida, ao sul. Ao passarem próximos à costa com grande intensidade –fenômeno que recebe o nome de ciclone extratropical–, os ventos provocam a ressaca.

Quando os ventos vêm do norte, o efeito geralmente é oposto, diminuindo o nível do mar na costa, explica Castro. Não dá para afirmar ao certo quando um ciclone desses passará próximo à nossa costa e quão intensa será a força desses ventos. O que se sabe é que o período de maior incidência é em torno do inverno.

A previsão só funciona bem quando o evento já está bem perto de acontecer, relata Castro, que coordena um laboratório que estuda o tema. Um dos resultados da pesquisa é um mapa de risco que consegue prever, com confiabilidade maior que 80%, uma ressaca com até dois dias de antecedência.

A meta, diz Castro, é chegar a uma previsão confiável com cinco dias de antecedência. Por ora, as previsões para o Estado de São Paulo podem ser acompanhadas no site do projeto.


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