Folha de S. Paulo


Vitória de Trump provoca silêncio e receio em conferência do clima

Pelos corredores da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP22), declarações conciliadoras de ONGs conviveram com o absoluto silêncio da maioria negociadores a respeito do resultado das eleições que elegeram Donald Trump presidente dos EUA.

Ele, que nega que mudanças climáticas estejam acontecendo, prometeu durante sua campanha cortar incentivos às energias renováveis e abandonar o acordo climático –ratificado neste ano pelos EUA e outros 102 países, incluindo o Brasil.

A Folha conversou com oito representantes de delegações, entre blocos desenvolvidos e em desenvolvimento. Nenhum deles quis declarar publicamente as implicações da eleição do republicano para a negociação climática.

As coletivas de imprensa agendadas para hoje foram canceladas e não houve nenhum pronunciamento público que comentasse o resultado das eleições.

A exceção foi a China. O chefe da delegação, Gou Haibo, afirmou que "a China quer fomentar a cooperação existente com todas as partes, inclusive com os EUA [...] e agirá agirá de forma positiva e vigorosa na luta contra as alterações climáticas"

A declaração alivia os anseios dos participantes na COP-22 que se perguntavam se a China, hoje o país que mais emite carbono no mundo, também pularia fora do Acordo de Paris caso os Estados Unidos o fizesse. Em 2015, China e Estados Unidos, apresentaram conjuntamente suas metas de redução de emissões. Juntos, os dois respondem por quase 40% das emissões atuais no mundo.

Alguns delegados de países com propostas para a regulamentação do Acordo de Paris, que não quiseram se identificar, admitiram o receio de que um possível desengajamento dos EUA na pauta climática cause o mesmo em outros países, podendo inclusive desacelerar o debate e repetir as dificuldades do Protocolo de Kyoto.

Em 2015 a colaboração americana na criação de "metas nacionalmente determinadas" para redução de emissões ajudou a viabilizar o Acordo de Paris, que virou lei internacional em tempo recorde –na última sexta-feira, menos de um ano depois de ter havido um consenso entre os mais de 190 países.

Já o Protocolo de Kyoto, de 1997, não contou com a assinatura dos EUA –na época o maior emissor de carbono no mundo– e levou oito anos para entrar em vigor.

Mas não é todo mundo que vê com pessimismo o efeito Trump no clima. Um dos observadores que acompanha a delegação europeia lembrou que a atuação americana nas COPs sempre tendeu a flexibilizar as condições e metas para a redução de emissões e que, portanto, a falta da participação americana poderia abrir espaço para compromissos mais firmes, assim como para o protagonismo de outros atores nas negociações.

ENGAJAMENTO

Já as declarações das organizações da sociedade civil que acompanham as negociações da COP procuraram minimizar o efeito da eleição para o acordo climático, reforçando que o contexto atual, diferente do Protocolo de Kyoto, já conta com um debate mundialmente engajado.

A Uscan, rede de ONGs ambientais dos EUA, afirmou "o Acordo de Paris é lei internacional e os Estados Unidos não podem mudar esse fato."

Seguindo a frase "o arco da História pende para a justiça", Mariana Panuncio, diretora da WWF para a cooperação climática internacional, parafraseou Martin Luther King ao afirmar hoje que "o arco das mudanças climáticas pende para as soluções".

"Trump precisa levar adiante o legado de Obama e fazer da América a superpotência de energia limpa do mundo", diz.

Hilda Heine, presidente das Ilhas Marshall, um dos países ameaçado de ser inundado pelo avanço do mar com o aquecimento acima de 1,5°C, cobrou o presidente eleito dos EUA: "Espero que ele perceba que a mudança climática é uma ameaça para seu povo e para países inteiros que partilham mares com os EUA, incluindo o meu."

Algumas avaliações acreditam ser pouco provável a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, já que o processo levaria quatro anos – um mandato presidencial– para ser concluído.

O que preocupa os ambientalistas é o efeito cascata que a inação dos EUA geraria em outros países que também precisam fazer grandes investimentos na transição energética –em outras palavras, o país continuaria no acordo, mas não faria a lição de casa.

O Acordo de Paris prevê que os países entreguem metas mais ambiciosas de redução de emissões de carbono na COP de 2018. No mais tardar, será no meio do mandato de Trump que o mundo saberá se os EUA estarão dentro ou fora do barco da transição energética.

'NÃO PONHA UM PREÇO NISSO'

No mesmo dia da eleição presidencial, o estado de Washington consultou a população sobre a criação de um imposto sobre a emissão de carbono, que cobraria uma taxa progressiva, a começar por US$ 15 por tonelada de carbono emitida a partir de julho de 2017. A maioria, mais de 1 milhão de eleitores, votou pelo "não" ao novo imposto.

A proposta, inédita no país, vai ao encontro do discurso de Barack Obama na Conferência do Clima em Paris. Com a expressão "ponha um preço nisso", o presidente americano defendeu a precificação do carbono como forma de desencorajar as emissões.

Apesar do expresso "não" ao imposto sobre o carbono, a população de Washington deu a maioria de votos para Hillary Clinton nesta terça (8).


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