Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Eleição de Trump é um solavanco no acordo sobre mudança do clima

Mike Segar/Reuters
Donald Trump, presidente eleito dos EUA
Donald Trump, presidente eleito dos EUA

Um balde de água fervendo se derramou sobre a Conferência do Clima em Marrakech (COP22) com a vitória de Donald Trump nos EUA. Demorará um tanto, porém, até que se saiba quantas vidas ainda sobram para os gatos escaldados que há 24 anos negociam tratados para conter o aquecimento global.

Desde a adoção da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima, em 1992 no Rio, uma série de fracassos e frustrações não impediu que, há apenas 11 meses, se chegasse ao Acordo de Paris –aquele que Trump prometeu revogar.

O acordo entrou em vigor na sexta-feira (4) e, em Marrocos, precisaria ganhar musculatura. Mesmo incapaz, até aqui, de garantir a meta de conter o aquecimento da atmosfera terrestre entre 1,5ºC e 2ºC, Paris já tem força de lei internacional para os países que o ratificaram (como EUA e Brasil).

Pela letra do texto, os americanos só poderiam deixar o tratado dentro de quatro anos, quando Trump estará em busca da reeleição. O republicano não conseguirá, portanto, revogá-lo de imediato –mas pode bem ignorá-lo.

O meio de fazê-lo seria desmontar as políticas domésticas avançadas pelo democrata Barack Obama. Trump prometeu acabar com os subsídios para energias limpas (eletricidade solar e eólica), recuperar a queima de carvão (pior combustível fóssil, abundante nos Estados mais conservadores dos EUA) e eliminar a agência ambiental EPA.

Essa plataforma levou a consultoria em inovação Lux Research, de Boston, a projetar que os EUA emitiriam 3,4 bilhões de toneladas adicionais de CO2 caso Trump governe o país por oito anos. Seria 0,4 GtCO2 por ano, um acréscimo de 7,5% sobre os níveis atuais (para comparação, em 2015 o Brasil emitiu 1,9 Gt CO2).

Note que, de acordo com o gráfico, não há correlação perfeita entre democratas e decréscimo de CO2, por um lado, e republicanos e aumento de emissões, por outro. Bill Clinton tinha o "homem-ozônio" Al Gore como vice, mas o carbono disparou com ele tanto ou mais do que com George W. Bush, filho legítimo da elite petroleira do Texas.

Para Trump, o aquecimento global constitui uma farsa inventada pela China para prejudicar os EUA e tirar empregos dos americanos. Mesmo que não seja o caso de levá-lo ao pé da letra, fica difícil imaginar que dê curso à aproximação com Xi Jinping iniciada com sucesso por Obama, a ponto de destravar a negociação internacional.

A reação chinesa a Trump não será necessariamente puxar o freio de mão em suas iniciativas para conter emissões de carbono, nas quais já se tornou campeã (28% do total mundial, contra 16% dos EUA).

Diminuir a utilização do carvão como fonte de energia, na ótica de seus engenheiros ditatoriais, representa dupla oportunidade: conter os galopantes índices de poluição urbana, nos quais Pequim só perde para Nova Déli (Índia), e dominar os setores de energia que mais crescem no mundo, geração eólica (ventos) e fotovoltaica (luz solar).

Trump impôs um tropeço ao pós-Paris. No entanto, a intensidade do impulso adquirido pelas alternativas aos combustíveis fósseis, algo difícil de mensurar em meio à aceleração, é que vai definir se o republicano conseguirá atrasar o mundo todo na rota para uma economia limpa –ou apenas o seu país.


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