Folha de S. Paulo


ONGs pedem que Brasil tire incentivo ao uso de energia baseada em carvão

IISD/ENB Kiara Worth
Manifestantes na COP22
Manifestantes na COP22

A possibilidade de o Brasil fornecer R$ 5 bilhões em incentivos ao carvão, caso o presidente Michel Temer não vete a Medida Provisória 735 (MP 735), está causando reações entre os participantes da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP22.

O subsídio foi embutido no artigo 20 da MP 735, que trata amplamente de privatizações no setor elétrico. Nessa terça-feira, o boletim que circula pelas negociações em Marrakech e é endossado por mais de mil organizações da rede Climate Action Network traz um artigo crítico ao Brasil.

Intitulado "Primeira regra quando você está em um buraco: pare de cavar", o texto diz que neste momento "o mundo está assistindo ao que acontece no Brasil e esperando coerência de um país que tem todo o potencial para ser um dos primeiros a alcançar 100% de energias renováveis".

A Folha apurou que o barulho internacional fez com que o Itamaraty recomendasse ao governo o veto ao artigo ainda durante a COP, que vai até o dia 18 deste mês.

O Brasil que negocia o clima

Embora a inclusão do artigo na MP 735 não tenha autoria clara no Congresso, observadores brasileiros apontam que a indústria carvoeira teria tido apoio do Ministério da Casa Civil para o feito.

A pasta está sob o comando do gaúcho Eliseu Padilha. Na última quinta (3), o governador do Rio Grande Sul, polo carvoeiro no Brasil, se reuniu com empresários japoneses dos grupos Tepco, PwC Japan e IHI, junto também à Copelmi, empresa gaúcha de mineração, para discutir um investimento de até US$ 2 bilhões em uma usina termelétrica de alta eficiência movida a carvão mineral.

Editoria de Arte/Folhapress

JAPÃO E CHINA

Enquanto o carvão representa uma parcela importante da economia gaúcha, o Japão é apontado por relatório da organização americana Natural Resource Defense Council como o país que mais investe na exploração de carvão. Entre 2007 e 2015, foram mais de US$ 20 bilhões.

Ainda assim, o país é responsável por apenas 3% das emissões de carbono do mundo e isso acontece porque boa parte desse investimento é feito em reservas carboníferas no exterior, majoritariamente em países como África do Sul, Índia e Filipinas.

No Brasil, reconhecido pela abundância de fontes de energias renováveis como eólica e hidrelétrica, o carvão gera menos de 3% do total, embora isso represente 20% das emissões de carbono.

Os setores de energias fósseis (que incluem carvão, petróleo e gás) receberam US$ 5 trilhões em subsídios governamentais pelo mundo em 2015, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O montante equivale a 6% do PIB global e boa parte dele vem de outro asiático, a China.

Além do Brasil, a Turquia também está sendo criticada na COP22 por receber investimento de bancos chineses para 70 novas usinas de carvão.

Para Pedro Telles, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace, as investidas da indústria carvoeira são um sinal de desespero em relação ao que foi acordado em Paris no ano passado, quando mais de 190 países concordaram em zerar suas emissões de carbono até 2050.

"As indústrias de combustíveis fósseis já perceberam que seu tempo está se esgotando e estão fazendo o possível para prolongar sua existência", comenta Telles.

Em Marrakech, onde os países agora buscar implementar o Acordo de Paris, o lobby carvoeiro tem marcado presença através de ONGs e associações que representam o setor. Cerca de cem organizações do setor que estão credenciadas para o evento são ligadas a 20 gigantes gigantes dos combustíveis fósseis, como Exxon Mobil, Chevron, BP e BHP Billiton.

O lobby é criticado por ambientalistas que acusam os participantes de ter um conflito de interesses nas negociações climáticas.

Em resposta, Benjamin Sporton, presidente da World Coal Association, disse que "as tecnologias para o carvão de baixa emissão cumprem um papel-chave para atingir os objetivos climáticos. Apoiamos as ações que usam essas tecnologias como parte de um acordo climático eficiente".

Como é a matriz energética brasileira* -

Fontes: Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), Balanço Energético nacional, Clean Air Task Force

Além de ser uma grande emissora de carbono para a atmosfera (o que favorece o efeito estufa e as mudanças climáticas), as termelétricas a carvão também consomem uma grande quantidade de água, afirma Thiago Almeida, também coordenador de clima e energia do Greenpeace.

Ele cita o exemplo de usinas no Rio Grande de Sul que consomem cerca 70% da água da região. A maior parte é utilizada para resfriar caldeiras. "É a fonte de energia mais atrasada e suja da nossa matriz", diz.

As afirmações surgem no turbilhão causado pelo possível surgimento de um novo incentivo econômico à utilização de carvão para produção de energia elétrica no Brasil.

No país, porém, ainda reinam as fontes de energia renováveis, principalmente de hidrelétricas. Outras opções, atualmente menos importantes são aquelas à base de, vento, sol e biomassa.

A energia elétrica proveniente da água é a principal responsável pelo parque energético relativamente limpo no país. Quase 65% da energia produzida vem de usinas hidrelétricas, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME). A fatia já foi maior. Em 1990, cerca de 93% da energia brasileira vinha de hidrelétricas.

Enquanto isso, as outras fontes limpas têm uma participação reduzida no todo. A eólica, por exemplo, responde por 6,4% da energia brasileira. Já a solar, pela baixa capacidade instalada, tem um percentual desprezível, segundo relatório do MME.

Na mesma esteira, o carvão também tem uma participação mínima, cerca de 2,4%, na produção brasileira de energia elétrica. Contudo, a presença de termelétricas vem crescendo no cenário.

Em 1990, termelétricas que utilizam combustíveis fósseis (como carvão e derivados de petróleo) eram responsáveis por 4% da energia produzida. Em 2014 o valor era de 24%, segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima).

Outros setores, como o da indústria carvoeira e outros entusiastas, enxergam a questão de maneira diferente. Manter a participação do carvão nas possíveis fontes de energia seria importante por uma questão de segurança energética, para não depender tanto das hidrelétricas, que, ao longo do ano, podem produzir mais ou menos energia.

Colaborou PHILLIPPE WATANABE


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