Folha de S. Paulo


Novos pássaros são encontrados em estudo de licenciamento ambiental

O ornitólogo Rafael Bessa cortava caminho para chegar ao trabalho quando avistou uma rolinha-do-planalto. Antes daquele encontro, em 2015, fazia 75 anos que ninguém tinha notícias da espécie. Não havia registro fotográfico ou sonoro. Ninguém sabia, por exemplo, que os olhos da rolinha eram azuis.

Bessa trabalhava no interior de Minas Gerais, fazendo estudo ambiental para o licenciamento de uma obra.

Algo semelhante aconteceu com o biólogo Advaldo Dias do Prado em 2006, quando encontrou o pica-pau-do-parnaíba, desaparecido havia 80 anos, em um licenciamento da BR-010, no nordeste do Tocantins.

Mais sortudo ainda foi o ornitólogo Dante Buzzetti, que em 2004 descobriu uma nova espécie, o bicudinho-do-brejo-paulista, criticamente ameaçado de extinção. Buzzetti também fazia uma pesquisa de licenciamento, dessa vez em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo.

Em 2012, os ornitólogos Bruno Rennó e Vitor Torga faziam um licenciamento no Mato Grosso quando se depararam como uma nova espécie de japu. As pesquisas são tão incipientes que o pássaro ainda não foi batizado.

Obrigatórios desde 1981 e inclusos na Constituição de 1988, os estudos para o licenciamento ambiental buscam avaliar o impacto de determinada construção para a biodiversidade. Grandes obras como hidroelétricas, portos, aterros sanitários, rodovias, mineradoras e indústrias precisam apresentar esse relatório, junto com outros estudos de impacto econômico e social, antes de serem aprovadas.

A partir desses relatórios, o governo, por meio de órgãos reguladores como o IBAMA, avaliam se a obra vale a pena. Ou seja, se seus benefícios compensam os impactos. Os relatórios sugerem ainda medidas de compensação e minimização dos danos. Uma rodovia, por exemplo, pode ter seu percurso desviado para proteger determinada população animal.

Recentemente, no entanto, esses estudos foram ameaçados por propostas de flexibilização do licenciamento ambiental que estão tramitando no Senado e na Câmara dos Deputados. Se aprovada, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 65/2012, que tramita no Senado, vai permitir a realização de obras de grande impacto antes da avaliação do órgão ambiental.

Na Câmara, são dezenas de projetos propondo mudanças na lei de licenciamento, vários deles acarretam em perda de importância dos estudos de impacto.

"Na prática, a PEC estabelece um 'protocolou, aprovou'. Uma vez feitos, os estudos estariam automaticamente aprovados e a obra já poderia começar", explica Tatiana Barreto Serra, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. "O estudo permaneceria, mas como uma formalidade".

De autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), a PEC diz ainda que uma vez iniciada, uma obra não poderia ter sua autorização cassada ou suspensa, a não ser por "fato superveniente" (novo) não especificado. O objetivo seria agilizar as obras, eliminando burocracias.

"É uma tentativa de dar aos empresários um poder que vai além da posse. É um poder de decidir sozinho se uma obra vale os riscos coletivos", diz Barreto.

"Sem esses relatórios, não teríamos achado nenhuma dessas espécies, e é possível que as obras fossem feitas sem os cuidados devidos e acabassem extinguindo essas populações antes que tivéssemos oportunidade de estudá-las", afirma Luciano Lima, ornitólogo do Observatório de Aves do Instituto Butantan.

O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, já se posicionou contra a emenda e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que assumiu a relatoria da PEC na quarta-feira (8), afirmou que irá apresentar parecer pela inconstitucionalidade da PEC ainda esta semana. Caso seu parecer seja aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a PEC deverá ser arquivada. Restariam, no entanto, as tramitações da Câmara.

"É possível que tenhamos pulado essa fogueira [em relação à PEC], mas é estranho que ainda façam essa falsa dicotomia entre progresso e preservação. Os estudos não têm o objetivo de parar obras, mas de garantir um crescimento sustentável", diz Barreto.

Procurado, o senador Alcir Gurgacz não respondeu até o fechamento da edição.


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