Folha de S. Paulo


Nova regra sobre demarcação de área indígena afetaria clima, diz ONG

A proposta de emenda constitucional que passa do Planalto para o Congresso a última palavra sobre terras indígenas (PEC 215) não ameaça só os índios. Se for aprovada, arrisca lançar mais poluição de carbono no ar do que toda a indústria nacional produz num ano.

Seriam 110 milhões de toneladas a mais de gás carbônico (CO2) até 2030. O CO2é o principal gás do efeito estufa (GEE), uma espécie de cobertor planetário que retém radiação solar perto da superfície da Terra e agrava o aquecimento global.

Esse valor corresponde a 128% de tudo que as indústrias brasileiras emitiram de GEE em 2014 (86 milhões de toneladas, segundo o Observatório do Clima/Seeg).

A estimativa se encontra no estudo "Ameaça aos Direitos e ao Meio Ambiente - PEC 215", do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (bit.ly/1Ma4qf8), ao qual a Folha teve acesso.

A PEC 215 foi aprovada pelo Senado em 8 de setembro e deve agora ser examinada pela Câmara dos Deputados.

O cálculo do Ipam se baseia nos 78 mil km2 de terras indígenas (TIs) em processo de demarcação, que ainda não foram homologadas pelo governo federal (passo final do processo de reconhecimento de uma TI).

DESMATAMENTO

As áreas homologadas têm em geral um nível de desmatamento bem menor do que outras terras circundantes. O grau de devastação nas TIs homologadas (1,9%) é aproximadamente a metade do observado nas que se acham em vias de demarcação (3,7%), um indicador de que o reconhecimento completo refreia a tendência de que a área seja desmatada.

Na Amazônia, o bioma brasileiro com maior extensão de floresta, a taxa de desmatamento já alcançou 19%.

Se a PEC 215 entrar em vigor, é provável que várias TIs nunca sejam homologadas. Boa parte das que estão em processo de demarcação se acha fora da Amazônia e sob forte resistência de ruralistas, que têm grande influência no Congresso. Se se tornarem áreas privadas, teriam de seguir a legislação, que determina de 20% a 80% de reserva legal em cada propriedade, dependendo do bioma.

Caso isso aconteça e 20% de seu território terminar desmatado, 8,3 mil km2 sofreriam corte raso, calcula o Ipam. Multiplicando essa área pelo carbono estocado na biomassa das matas, chega-se aos 110 milhões de toneladas de CO2 que seriam emitidas ao longo de 15 anos.

DEZ ESTADOS

Segundo o instituto, e ainda com base nos dados do Seeg, essa quantidade de carbono corresponde às emissões anuais totais de dez Estados brasileiros: Acre, Amapá, Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Roraima e Sergipe.

Outra comparação possível são os GEE produzidos por uma frota de mais de 7 milhões de carros rodando 20 km por dia até 2030.

O Ipam projetou também um cenário mais benigno, em que o desmatamento seguiria o padrão das áreas privadas no entorno de TIs. Neste caso, o desmatamento cairia para 1.400 km2 adicionais e as emissões, para 16 milhões de toneladas de CO2.

O Instituto Socioambiental (ISA) lançou um estudo complementar, intitulado "Impactos da PEC 215 sobre os Povos Indígenas, Populações Tradicionais e o Meio Ambiente" (disponível no endereço isa.to/1UTdCw2).


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