Folha de S. Paulo


Céticos do clima americanos rejeitam ser chamados de negacionistas

As palavras são usadas como insultos. Quem rejeita as descobertas da ciência climática é tachado de "negacionista" ou "desinformador". Aqueles que aceitam essa ciência são chamados de "alarmistas".

Recentemente, um abaixo-assinado que já recebeu 22 mil adesões nos Estados Unidos introduziu um novo argumento nesse longo debate. O documento pede à imprensa que abandone o termo mais utilizado para descrever pessoas que questionam a ciência climática, "céticos", e que passe a chamá-las de "negacionistas climáticos".

Os climatologistas estão entre os maiores críticos à aplicação do termo "cético" às pessoas que rejeitam suas descobertas. Eles argumentam que o ceticismo é o fundamento do próprio método científico. O consenso moderno sobre os riscos das mudanças climáticas, dizem eles, baseia-se em provas acumuladas ao longo de décadas.

Nas convenções dedicadas à ciência climática, os pesquisadores são praticamente unânimes em apontar os riscos associados à emissão de grandes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera. Esses cientistas dizem que são os verdadeiros céticos e que o consenso só foi possível após as evidências relativas aos riscos se tornarem esmagadoras. Sob esse ponto de vista, quem rejeita as provas é um falso cético e se recusa a pesar os indícios como um todo.

O abaixo-assinado para que a imprensa abandone o rótulo dado aos "céticos climáticos" foi criado pelo físico Mark Boslough. A expressão está errada, argumentou ele, porque "essas pessoas não adotam o método científico". Boslough participa ativamente do grupo Comitê pela Investigação Cética, que há anos combate a pseudociência em todas as suas formas. No ano passado, ele escreveu uma carta aberta sobre a questão, e dezenas de outros cientistas rapidamente a subscreveram.

A organização ativista Forecast the Facts adotou essa causa. Quando reunir 25 mil assinaturas, o grupo pretende apresentar um pedido às grandes organizações jornalísticas para que alterem a sua terminologia.

Mas, se não for para chamá-los de "céticos", como se referir aos oponentes da ciência climática?

A discussão ajuda a entender por que esse grupo critica tão vigorosamente a ciência. A oposição provém de determinada facção da direita política. Muitos desses conservadores entendem que, uma vez que as emissões são provocadas por praticamente todas as atividades econômicas da sociedade moderna, elas só poderiam ser reduzidas por uma intervenção governamental no mercado.

Por isso, colocar em dúvida os fundamentos científicos é uma forma de afastar tal regulamentação. Esse movimento tem raízes ideológicas, mas grande parte da verba para a divulgação dos seus escritos provém de empresas que lucram com os combustíveis fósseis.

Cientistas contrários à visão científica dominante, como Patrick Michaels, ex-pesquisador da Universidade da Virgínia contratado pelo Instituto Cato, de Washington, tendem a argumentar que o aquecimento será limitado ou ocorrerá de forma tão gradual que as pessoas conseguirão se adaptar, ou então que a tecnologia dará um jeito.

Quando publicam dados e argumentos em periódicos científicos, esses cientistas "do contra" talvez possam ser considerados "céticos".

E talvez não seja surpresa o fato de muitos ambientalistas terem começado a chamar esses cientistas de negacionistas.

Os dissidentes se opõem a tal palavra, alegando que se trata de uma tentativa deliberada de vinculá-los à negação do Holocausto. Alguns acadêmicos negam ter essa intenção, enquanto outros começaram a usar uma palavra inglesa mais suave ("denialist", em vez de "denier") para argumentar a mesma coisa sem motivar queixas por evocar o Holocausto.

O negacionismo científico tem aparecido em outras polêmicas, como no apoio ao criacionismo, na ideologia antivacina e na oposição aos cultivos geneticamente modificados.

Para os grupos que adotam esses pontos de vista, "os indícios simplesmente não importam mais", disse o sociólogo Riley Dunlap, da Universidade Estadual de Oklahoma. No entanto, Dunlap observou que, na maioria dessas questões, o que está em jogo não é o futuro do planeta.


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