Folha de S. Paulo


Acordo do clima na COP 20 poderá encampar proposta do Brasil

O esboço de um acordo global de reduções de emissões de gases-estufa que está em negociação na 20ª Conferência do Clima da ONU, a COP 20, no Peru, incluiu um conceito criado por diplomatas brasileiros: dividir os países em desenvolvimento em diferentes graus de responsabilidade pelo aquecimento.

A ideia, lançada pelo país em novembro dentro de uma proposta mais abrangente, tenta destravar as negociações, permitindo que gigantes emergentes como China, Brasil e Índia assumam compromissos mais ambiciosos de cortes de emissões.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
Clima

Os países mais pobres entre os pobres, sobretudo na África e na Ásia, ficariam livres de cumprir meta. Em troca, países ricos teriam de garantir um fluxo financeiro para ajudar todas as nações em desenvolvimento na transição para uma economia limpa.

Uma diferença da proposta brasileira em relação a um modelo mais antigo de acordo multilateral é que a lista de países submetidos a metas rígidas pode aumentar.

"À medida que os países em desenvolvimento vão progredindo, erradicando a pobreza e incluindo socialmente mais populações, eles também devem ser vistos de forma diferente", disse à Folha Raphael Azeredo, diretor de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e negociador do Brasil na COP 20.

"Eles devem ser vistos então como países que também podem ter compromissos mais ambiciosos para a mitigação da mudança climática."

A proposta brasileira, que cria uma gradação de responsabilidade dividida em "círculos concêntricos" (veja infográfico à direita), parece ter agradado o Peru, país que preside a conferência do clima. Ainda não está claro, porém, o quanto ela pode avançar.

Entre ONGs ambientalistas, a proposta teve uma recepção cautelosa.

"A proposta não tem nada de revolucionário, só estabelece o que o Brasil já fala há muito tempo, de atribuir responsabilidades diferenciadas a nações pobres e ricas", diz Márcio Astrini, observador do Greenpeace na COP 20.

"O que fica evidente nas entrelinhas é que os países em desenvolvimento só se mexerão caso os países desenvolvidos façam um movimento de socorro financeiro e transferência tecnológica."

O chefe da delegação chinesa no encontro, Su Wei, disse em entrevista coletiva que o empenho dos países ricos em contribuir com o Fundo Verde do Clima, principal mecanismo de financiamento a ser adotado no próximo acordo global "está longe do adequado". Apenas US$ 9,7 bilhões foram levantados até agora, ante uma meta de US$ 100 bilhões para 2020.

JOGO FECHADO

A China não sinalizou ainda se vai ajudar a mover a proposta do Brasil para inclui-la dentro do acordo global, que deve ser fechado em dezembro de 2015 em Paris.

Um dos problemas que o Itamaraty enfrenta ao pregar sua proposta é a cobrança para que o Brasil diga logo quanto acha que deve reduzir de emissões. Estados Unidos, China e União Europeia já apresentaram propostas para o período pós-2020 –o cronograma a ser negociado no novo acordo. Existe agora uma pressão tácita para que outros grandes emissores façam o mesmo.

CRONOGRAMA

"No ano que vem, anunciaremos a contribuição do Brasil dentro do cronograma", diz Azeredo. "Mais importantes que os números venham rápido é que eles venham ambiciosos, que venham bem fundamentados porque tem que ser implementáveis."

Segundo Carlos Rittl, secretário-executivo do fórum de ONGs Observatório do Clima, a proposta do Itamaraty ainda é vaga. "Caso a proposta brasileira prospere e o país não se inclua no círculo central, ele estará contribuindo para que fiquem menores as chances de limitarmos o aquecimento global a 2°C, o limite considerado perigoso."


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